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A saúde pela perspectiva do indivíduo e a Medicina do Estilo de Vida

publicado 26/10/2022 18h41, última modificação 26/10/2022 18h41
Podcast "Saúde em dia" - Episódio 2

Podcast "Saúde em dia"
Transcrição do episódio 2:  A saúde pela perspectiva do indivíduo e a Medicina do Estilo de Vida

Orador 1: Luís Fernando Zarpelon (médico perito e professor da UNILA)
Orador 2: Roberto Almeida (médico intensivista e professor da UNILA)

Orador 1:
Nós estamos recebendo hoje o professor Roberto Almeida, médico especialista em medicina intensiva, pós-graduado em Gestão de Hospitais e Educação Médica, e professor da área de urgência e emergência do curso de Medicina da UNILA. Também é membro fundador do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida e membro fundador do Grupo de Estudos em Saúde Planetária do Instituto de Estudos Avançados da USP, que é membro da Aliança para a Saúde Planetária, coordenado pela Universidade de Harvard.

Olá, professor Roberto!

Orador 2:
Olá, Luís! Bom estar aqui com você.

Orador 1:
Muito bem. No primeiro episódio de hoje – nós faremos três episódios para debater esse assunto –, nós vamos falar sobre a saúde a partir de uma perspectiva do indivíduo, do ambiente pessoal, pessoas saudáveis. E vamos falar a partir da perspectiva da Medicina do Estilo de Vida. Quais são os pilares. Nós vamos entender como isso pode ser compreendido pelas pessoas e como isso pode trazer para as pessoas ferramentas, entendimentos, reflexões que as ajudem a compreender como construir uma vida mais saudável. Professor Roberto, você poderia explicar para a gente o que é a Medicina do Estilo de Vida?

Orador 2:
Luís, é um prazer estar aqui. Essa ideia da Medicina do Estilo de Vida nasce já neste século 21. No momento em que a gente entende que as doenças podem ser entendidas como tendo uma origem por agentes, tipo bactérias, vírus, agentes infecciosos. Ou agentes ambientais, alguma coisa de poluição, acidentes, traumas, fatores externos. Mas, fundamentalmente, a gente tem um grupo de doenças que mais cresce no mundo, que são as doenças crônicas não transmissíveis. Então, as doenças que surgem a partir dos hábitos, das atitudes, dos comportamentos, até certo ponto do jeito que a pessoa vive, que é a Medicina do Estilo de vida. Então a Medicina do Estilo de Vida tem uma reflexão em torno desse processo, de como que a pessoa pode enfrentar melhor as doenças chamadas doenças crônicas não transmissíveis, que, por exemplo, diabetes, hipertensão, câncer, doenças cardiovasculares, doenças neurovasculares. São doenças que não têm um agente externo, mas têm um comportamento por trás. Então, a maneira como a pessoa se alimenta, se exercita, dorme, se relaciona, o estresse, os fatores comportamentais como as drogas, os hábitos como álcool, tabaco. Então, para lidar com isso que a Medicina do Estilo de Vida se estruturou já nesse século, para fazer o enfrentamento dessa questão.

Orador 1:
E essas doenças são hoje as mais prevalentes. A gente tem observado nos países do Hemisfério Norte, 80 a 85% da carga de doenças que essas populações enfrentam estão relacionadas iminentemente com essas condições de saúde crônico-degenerativas associadas a isso. E mesmo em países emergentes como o Brasil, que tem ainda uma alta carga de doenças por causas externas, de trânsito, violência e até de doenças infectocontagiosas, essas doenças já representam a maior carga. Esses comportamentos,
como é que a gente pode olhar para isso numa perspectiva de saúde pública?

Orador 2:
Olha, primeiro começamos a entender que esses hábitos, esse estilo de vida precisa ser entendido, num primeiro momento, como uma responsabilidade do indivíduo nas escolhas. Então existe um processo individual, mas o aspecto público está relacionado tanto com a questão da educação, educação em saúde, que é um dos problemas que a sociedade precisa cuidar. Então, as escolas e a família têm um papel de educar, porque você educa os hábitos alimentares, os hábitos de mobilidade. Isso começa desde pequeno, em casa e na escola. Então, esse é um ponto fundamental. E na saúde pública propriamente dita, os profissionais de saúde também vão precisar começar a dar uma atenção especial a isso. A gente está em uma perspectiva do século passado, a gente já pode fazer falar assim, porque a gente se formou no século passado, as escolas médicas, as escolas de saúde sempre enfatizaram a medicalização dos processos. Então, dá remédio para a hipertensão, dá remédio para o diabetes. E essa é uma perspectiva que os profissionais de saúde, hoje, podem e devem começar a olhar… Que, além de medicar para o controle de doenças, digamos assim, também há uma possibilidade de reversão a partir da mudança de hábitos, de reversão de certas condições. Então, podemos dizer assim, que a saúde pública pode ajudar tanto na educação como na capacitação dos profissionais, para começarem a agir mais de maneira educativa e preventiva na questão da saúde.

Orador 1:
Mas essa é uma temática complexa, porque todo mundo reconhece, por exemplo, que o cigarro faz mal, todo mundo reconhece que o sedentarismo gera uma predisposição a uma série de doenças e porque, ainda assim, apesar disso, as pessoas ainda persistem com esses hábitos? Existe uma explicação para isso?

Orador 2:
Uma das teorias que explica isso é a teoria da incompatibilidade, ou mismatch, que seria a incompatibilidade biológica com o ambiente atual. Então, por exemplo, o nosso corpo biologicamente é o mesmo de 200.000 anos, quando esse Homo sapiens adquiriu essa espécie. Ele se adaptou ao longo de vários milhões de anos. E existem hábitos e impulsos, vamos dizer assim, para consumo de alimento, para mobilidade, que são tendências internas. Quando a gente tem uma sociedade que facilita o acesso ao alimento, facilita o transporte por meio dos carros, tudo isso criou uma incompatibilidade. O corpo prefere comer mais, porque é um impulso, porque antigamente, quando havia falta de alimentos, quando encontrava alimento, você tinha que se alimentar o máximo possível, porque não sabia quando ia encontrar alimento de novo. Então isso é interno da pessoa, e isso gera uma incompatibilidade do ambiente atual, com a grande oferta de alimento, propaganda, acesso, comida industrializada, e a necessidade do corpo, que não precisaria comer tanto. Então essa é uma dificuldade para todo mundo. E as nossas facilidades tecnológicas também criam uma incompatibilidade. Você tem escada rolante, elevador, você tem carro, o transporte que facilita e todo mundo acha que isso é uma vantagem. E, no fundo, é uma desvantagem. Então a nossa sociedade está vivendo as consequências disso. Então, a epidemia de obesidade… Nos Estados Unidos, já são mais de 60% de obesos, aqui no Brasil, 50%. Então você começa a ter uma contradição no que é bom para as pessoas que é ofertado, e o que é realmente que a pessoa precisa.

Orador 1:
Ontem, uma reportagem no jornal local, na televisão, mostrava que uma pesquisa do Ministério da Saúde apontava que 70% da população do Paraná tem sobrepeso ou obesidade, 27 ou 28% estão com o peso normal e pouco menos de 2% estão com peso abaixo do desejado. Então a gente pode dizer que, na verdade, há uma associação entre uma oferta, um estímulo ao consumo, para um componente, por exemplo, com a alimentação, que seria um componente para satisfazer as necessidades biológicas desse corpo, energéticas desse corpo. Então, nós temos um paradigma de organização da sociedade, de consumo, de oferta, que não condiz com a estrutura e a necessidade biológica. E como a gente caminha para uma mudança nesse entendimento, seja de qualquer abuso, do abuso alimentar, do abuso do estímulo tecnológico, da tela que isola as pessoas, do abuso do álcool, do abuso do cigarro. Como que você poderia pensar em… Vamos dizer o seguinte: uma vida saudável não se constrói só com o corpo saudável, é preciso do corpo saudável, é preciso de uma mente, um pensamento, uma consciência saudável. Essas coisas não caminham dissociadas. A gente separa corpo e mente, mas essas coisas interagem e se relacionam entre si. E a gente não consegue trabalhar esses hábitos de uma forma diferente. Como que a Medicina do Estilo de Vida procura enxergar essa nova abordagem? E a gente sente que há uma demanda das pessoas por isso, dos pacientes que nos procuram por isso, dos alunos que cursam… O professor Roberto é professor de uma disciplina de Medicina do Estilo de Vida, e os alunos criaram uma Liga Acadêmica de Medicina do Estilo de Vida, que é uma liga muito atuante. Então há uma demanda. Como é que a gente consegue fazer com que isso seja trabalhado a partir de uma perspectiva massiva?

Orador 2:
O desafio é esse! Então uma mudança de hábito, de estilo de vida, tem um componente educacional… A sensibilização, a divulgação, é um aspecto fundamental. Então, por isso, essas atividades de divulgação, como este podcast e outras, são fundamentais. E quanto mais a gente conseguir entrar hoje nos meios de comunicação, melhor. Por quê? A Medicina do Estilo de Vida trabalha com seis pilares, a gente tem discutido até a possibilidade de mais dois pilares. Mas os seis principais hoje são: a alimentação saudável – então existem alguns princípios de alimentação saudável; a questão da mobilidade, do exercício, da atividade física – precisa também aumentar a quantidade disso; a questão do sono – o sono é uma das necessidades básicas, cada dia da gente começa com uma boa qualidade de sono; a questão do manejo do estresse – o estresse é inevitável na sociedade do jeito que a gente vive, sempre vai ter estresse, então entender ferramentas de manejo do estresse, esse é um pilar fundamental, não é acabar com o estresse, isso é impossível; a gente tem o pilar dos relacionamentos saudáveis – então, um dos problemas que a gente está vendo aqui é a questão de habilidades socioemocionais. Isso é um desafio para a educação das escolas, mas a gente tem hoje muitas pessoas usando o celular, e o celular acaba inibindo o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, as pessoas não sabem mais ter empatia, escutar, interagir. Então, esse é um outro problema. A questão dos controles de álcool, drogas e tóxicos. Então, à medida que essas condições passam a ser bem entendidas… A saúde mental, como a gente estava falando, é uma propriedade que emerge, ela surge de como que a pessoa interage com esses fatores no seu dia a dia, não só individualmente, mas coletivamente, mas ela começa a surgir a partir disso. E aí tem uma série de mitos e informações que precisam ser trabalhadas. Então as pessoas, para dar um exemplo assim… Normalmente, as pessoas devem ter ouvido falar: “olha, é bom comer a cada três horas, fazer um lanchinho”. São conceitos equivocados que levam as pessoas ao problema do sobrepeso, de comer mais do que precisa. Então tem uma série de informações que precisam ser trabalhadas e, na realidade, a gente fala que precisa de uma deseducação e uma reeducação. Tem um pesquisador, que é o Alvin Toffler, que falava que os analfabetos do século 21 não vão ser os que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não sabem desaprender e reaprender de novo, porque existe muita informação nova e que as pessoas às vezes estão dando como certas, certas hipóteses, certos conhecimentos. Então, nessa área da Medicina do Estilo de Vida tem muita coisa para mudar, como que a gente vai trabalhar isso? Tem que ter o máximo de presença de pessoas, de profissionais da saúde… E o que você falou da Liga, né? A gente tem visto que os estudantes, uma vez que eles enxergam esse paradigma da saúde, não só como a ausência de doenças, eles não vão “desenxergar” isso mais, eles passam a fazer parte disso. Então a escola é um lugar importante para colocar essas informações. E aí os pacientes, as pessoas… É outro estágio, o estágio que talvez tenha que ampliar o número de pessoas falando sobre isso.

Orador 1:
Então a gente poderia dizer que a alimentação saudável, atividade física regular, melhoria do sono, manejo do estresse, o cultivo de relacionamentos saudáveis e a cessação de tabaco, drogas e a moderação do álcool constituem esses seis pilares, a partir dos quais o indivíduo, ao olhar para isso e trabalhar isso de uma perspectiva de adquirir novos hábitos em relação a isso, conseguiria elevar o seu nível de saúde. Porque uma questão importante, a gente trabalha muito dentro da perspectiva da medicina atual, com a questão da patogênese, da gênese das doenças, e a gente olha para corrigir as doenças. Fala-se muito na promoção de saúde, mas a gente vê pouca ação concreta em promover efetivamente saúde, e à medida que você orienta para esses pilares numa direção saudável, você está elevando o seu nível de saúde. Que recursos essas pessoas poderiam buscar, onde que essas pessoas poderiam buscar apoio… A pessoa que está nos ouvindo e pensa assim: “eu preciso pensar como é que eu melhoro o meu sono, me sinto cansado, eu acordo e passo o dia e rendendo pouco, como é que eu lido com situações estressantes do dia a dia”? Isso é uma coisa que é desafiadora para todo mundo, cultivar relacionamentos proativamente. Quer dizer, o cuidado com esses pilares requer um comportamento proativo das pessoas. Como que as pessoas podem buscar apoio para isso?

Orador 2:
A primeira coisa importante, para deixar uma mensagem final para esse processo aqui, é que esses pilares são universalmente acessíveis. Qualquer pessoa, independentemente do nível socioeconômico, tem acesso a esses pilares. A questão é como que a gente qualifica esses pilares, esses comportamentos?  Aí entra o papel dos profissionais de saúde. Então, a busca de profissionais de saúde, qual é o paradigma que a gente tem hoje na saúde? As pessoas têm um paradigma que elas estão saudáveis, quando ficam doentes, elas desencadeiam uma busca de profissionais de saúde, para recuperar a saúde que elas perderam. Então, se ela está com dor, ela busca um médico para buscar um remédio para essa dor. Se ela não está com dor, ela não procura nada de saúde. Nesta proposta da Medicina do Estilo de Vida, a pessoa vai ter que procurar um profissional de saúde, para saber como que ela aumenta esses hábitos. Como ela pode se alimentar melhor? Então ela vai procurar um nutricionista: “olha, eu quero fazer uma alimentação melhor, como o que é uma alimentação melhor para a minha idade, para as minhas características?”. Então, a pessoa passa a ser proativa na busca de informações e orientações para gerar saúde. Hoje a gente tem um comportamento reativo ao adoecimento ou à perda de saúde. Então, o que a gente precisa que a população pense é sobre começar a procurar os profissionais de saúde para criar essas forças, essas competências, para ser saudáveis. Então, na verdade, você pode dizer que a saúde exige mais competências para que você desenvolva essa saúde, para você ter essa saúde. Ela não vai ser algo dado. E essa é o equívoco que a gente tem. Infelizmente, esse modelo mental de que quando a pessoa perde a saúde, ela precisa ajuda para recuperar, ele alimenta um sistema que a pessoa vai fazer exames, diagnósticos e tratamentos. Então esse é o modelo e, se as pessoas continuarem pensando assim, é um modelo passivo e reativo. O que a gente precisa é de um modelo proativo e mais participativo, que a pessoa atua como uma pessoa especialista da saúde dela e do bem-estar dela. Essa é a grande virada que a gente precisa nesse modelo de saúde.

Orador 1:
Para encerrar, você havia dito para nós que seriam seis pilares e que acresceriam mais dois. Quais seriam os dois pilares que você acha importante acrescentar na questão da Medicina do Estilo de Vida.

Orador 2:
Olha, a gente tem visto cada vez mais pesquisas… Até agora na pandemia teve muito esses pontos… Contato com a natureza é uma coisa que cada vez mais as pessoas ficando muito fechadas, muito em ambientes fechados. Isso traz problemas de saúde. Então, a gente tem a questão de atividades ao ar livre, caminhadas, participação de atividades ao ar livre. Isso tem sido começado a ser prescrito, e isso a gente tem visto de pessoas que se beneficiam de atividades. No Japão, eles têm pesquisado o efeito fitoquímico de substâncias que estão na floresta, no ar, eles até têm uma proposta de banho de floresta. No Japão, já é saúde pública, já faz parte da saúde pública recomendar isso, e tem parques específicos para as pessoas irem fazer passeios, controle de pressão arterial, estresse, várias coisas. Então esse é um pilar que a gente entende que é possível. E um outro pilar são os estudos da psicologia positiva, tratando da positividade, da pessoa ter objetivos, metas. Isso também é algo que é mais mental, mas que acaba interferindo na maneira como pessoa vive hoje, na questão de estresse, no trabalho, Burnout, que é uma problemática nos ambientes de trabalho. Muitas vezes isso está relacionado com a pressão de trabalho, mas sem um propósito. Então, na mudança do estilo de vida, hoje em dia, as pessoas começarem a ter essa clareza de seus propósitos, também vai ser algo que a psicologia, que a Medicina do Estilo de Vida vai incorporar na proposta.

Orador 1:
Com isso, a gente encerra esse episódio e deixa o convite para um próximo episódio em que a gente possa falar sobre esse aspecto do relacionamento, dos ambientes sociais, trazer um pouquinho para esse ambiente coletivo. Nós passamos oito horas ou mais no trabalho, nós temos uma vida no nosso bairro, na nossa cidade. Então trazer um pouco dessa questão da saúde, e para um segundo ponto, trazer para a questão do ambiente planetário. Teremos um planeta para a gente poder caminhar, teremos um planeta pra gente poder interagir e ter condições de vida saudável. Então quero lhe agradecer a oportunidade de estar aqui conosco no DPVS, conversando com a nossa comunidade.

Orador 2:
Obrigado.