Institucional
Sentimento de retomada da vocação integracionista da UNILA marca abertura da recepção aos estudantes
Hélgio Trindade: “Percorremos a América Latina em busca dos alunos, em busca dos professores e em busca da cooperação”
“La UNILA no solo me ha brindado una profesión, sino me ha brindado también sentimiento por América Latina. Soy el fruto de la UNILA”. A frase, dita por María Lilia Macedo, egressa da primeira turma do curso de Relações Internacionais e Integração da UNILA, resume o tom da abertura oficial da Semana de Recepção dos Calouros da instituição, ocorrida na noite de segunda-feira (3). O evento, que recebeu os primeiros reitor e vice-reitor da Universidade, os professores Hélgio Trindade e Gerónimo Sierra, foi marcado pelo sentimento de retomada da missão original da instituição: ser um instrumento de integração regional, sobretudo em um momento em que o país retoma seu protagonismo frente à América Latina e ao Caribe.
Este simbolismo foi marcado não apenas pela presença dos primeiros gestores e alunos, mas também pela participação das docentes Laura Amato, primeira professora contratada, e Gisele Ricobom, primeira pró-reitora de Relações Institucionais e Internacionais da UNILA. A assinatura do protocolo de intenções para a retomada das obras do Campus Niemeyer e a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta terça-feira (4) também foram lembradas como simbólicas para o momento.
Protagonismo
Todo este contexto foi classificado pela nova reitora da UNILA, professora Diana Araujo Pereira, como “uma segunda chance”. “Este é o momento de a gente retomar de um ponto onde estávamos e nos desviamos dele. Agora, estamos retornando a esse ponto para, daí, retomar o processo da UNILA, o seu projeto e a sua missão”, resumiu. Conforme a reitora, a Universidade possui uma raiz, expressa por meio de algumas pessoas, como Trindade e Sierra, e em determinados processos do início das atividades da instituição, “e essa raiz, por alguma razão, a gente resolveu que ia ser outra coisa. Trazê-los nesse momento é como se a gente estivesse recuperando um processo que estava sendo alterado”, ponderou. Como parte de uma política pública de integração regional, a UNILA possui um papel estratégico na política externa brasileira, caráter que segundo ela deve ser resgatado no que classificou como processo de reconstituição do projeto original.
A afirmação da reitora é dividida e complementada pela professora Laura Amato, primeira docente da universidade, que participou dos momentos iniciais da instituição, quando nem mesmo havia alunos, técnicos e docentes. Em sua avaliação, a atualidade representa a oportunidade de crescer e retomar o protagonismo da instituição, pautando questões na área da educação e em específico do ensino superior que já vinham sendo colocadas em evidência, “mas sem o apoio do Governo Federal”.
Diversidade
“Este é o momento de a gente retomar de um ponto onde estávamos e nos desviamos dele. Agora, estamos retornando a esse ponto para, daí, retomar o processo da UNILA, o seu projeto e a sua missão” (Diana Araujo Pereira)
Diante um auditório composto não apenas pelos novos discentes, mas por veteranos e egressos, além de técnicos e docentes, Diana se comprometeu a priorizar políticas e práticas que contribuam para a convivência ao mesmo tempo democrática, participativa, fraterna e colaborativa na reconstrução da Universidade. Como lembrou, a comunidade universitária atualmente é composta por estudantes e professores de vários países da América Latina e do Caribe, indígenas de várias nações e refugiados de todas as partes do mundo: “No total, convivem 36 nacionalidades. Somos uma Universidade sem fronteiras em meio à diversidade”, contextualizou.
Com todas essas particularidades, a meta da UNILA, como apontou a reitora, é formar cidadãos críticos, ativos e sensíveis à integração regional e ao desenvolvimento de ações que visem à união e fomentem a conexão em detrimento à exclusão. Dessa forma, será possível “uma integração horizontal e solidária, democrática e popular”, projeta ela.
Bases constitutivas
Para alcançar este fim, mantendo a instituição fortalecida, para Diana Araujo Pereira é preciso reconhecer suas bases constitutivas, processo que seria simbolizado pela presença de Hélgio Trindade e Gerónimo Sierra. Primeiro reitor da UNILA (2010-2013), Trindade relembrou como a criação da instituição tem suas bases muito antes de sua constituição oficial e como uma visão de América Latina é importante para a gestão de uma unidade de ensino com a vocação integracionista. Em sua fala, ele destacou as tentativas de “abrasileirar” a UNILA, sugerindo que seu vice-reitor fosse do Estado, o que o fez se posicionar a favor de Sierra, do Uruguai, mantendo a vocação latino-americana.
“Lembro o quão importante foi para mim e será para nova reitora. Nós percorremos a América Latina em busca dos alunos, em busca dos professores e em busca da cooperação com todos os países não só do Mercosul, mas do conjunto da América Latina. Portanto, eu sinto, nesse momento, que nós estamos retomando uma caminhada”, avaliou. Segundo ele, se a UNILA hoje possui essa vocação, tudo se iniciou em 1918, na Universidade de Córdoba, na Argentina, por meio de uma greve de estudantes favoráveis a uma reforma educacional. A mudança não havia sido bem aceita pelos catedráticos da Universidade, criada por jesuítas durante o período colonial. Esses catedráticos insistiam em se manter de forma vitalícia e seguindo o regime anterior da instituição.
O movimento estudantil a favor da reforma acabou por sensibilizar a classe operária e outros setores “que viram naquela luta dos estudantes um pouco utópica, aparentemente, algo de novo e que eles tinham também que contribuir e se beneficiar”, relembrou. O movimento pregava uma democratização da educação superior, defendendo que a universidade deveria ser dirigida paritariamente por um terço de professores, um terço de alunos e um terço do equivalente aos técnicos, representados no Conselho Universitário. “Essa experiência passou por toda a América Latina, da Argentina para todos os outros países, chegando ao México. Então, toda América Latina aceitou. Qual era o único país que não sabia que isso estava acontecendo, não tinha nenhuma relação com a América Latina? Foi o Brasil”, contextualizou.
Membro do movimento estudantil brasileiro na década de 60, antes do Golpe Militar, Trindade integrou as ações visando a adotar, mesmo “com todo esse atraso histórico”, a mesma bandeira, posicionamento que optou por seguir na UNILA, em que o primeiro Conselho Universitário também era paritário.
IMEA
Em sua narrativa, o ex-reitor destacou como surgiram as ideias para a constituição da UNILA, pensada para ser construída com recursos dos países do Mercosul, mas que por questões conjunturais acabou sendo criada pelo Brasil. Com a impossibilidade da construção conjunta, ele foi chamado pelo Ministério da Educação e sugeriu que fosse criado o Instituto de Estudos Avançados do Mercosul (IMEA), concentrando pós-graduações de diferentes universidades da região, envolvendo pesquisas cooperativas. Apoiada pelo então ministro Fernando Haddad e pelos ministros do bloco, a ideia avançou, surgindo o IMEA, ainda hoje em atividade, considerada a célula originária da UNILA.
Por decisão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o projeto de constituição da UNILA foi elaborado e passou a ser apreciado pelo Congresso Nacional por dois anos. Enquanto isso, até constituição da UNILA, o IMEA se dedicou às cátedras, convidando investigadores renomados da América Latina. “Todas as semanas, ao longo de seis meses, nós começamos a fazer convites a catedráticos e eles vinham e faziam uma explanação maravilhosa e já transmitiam um pouco para os professores jovens que estavam ainda começando a se aproximar da UNILA, o caminho que deviam seguir para desenvolver esta ou aquela área”, disse à plateia.
Depois de ser estruturada entre 2007 e 2010 pela Comissão de Implantação e a criação do IMEA, em convênio com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Itaipu Binacional, a UNILA foi criada em 12 de janeiro de 2010. Segundo Gerónimo Sierra, ouvir esse resgate o fez perceber o quanto é importante sentir o forte impulso político, cultural e intelectual que foi a construção do projeto, ao qual ele se associou: “Eu, como estrangeiro, senti uma ousadia muito grande”, resumiu. Para ele, a experiência possui um grande significado cultural e acadêmico, pois foi constituído um núcleo de reflexão, com grande potência criativa, com discussões muito profundas sobre o desenho da universidade, idealizada para ser interdisciplinar.
Ousadia
“Ousem! Ousem pensar diferente. Ousem fazer diferente. Ousem ir além daquilo que foi determinado. Somente com essa ousadia que a gente consegue justamente fazer com que a missão da instituição se valha” (Laura Amato)
Essa mesma ousadia foi lembrada pela professora Gisele Ricobom, atualmente assistente da Diretoria-Geral da Itaipu e responsável pelo grupo de trabalho para estudar alternativas para a conclusão das obras do campus. Uma das primeiras docentes da UNILA, ela relembrou as lutas iniciais da instituição, envolvendo discentes, docentes e técnicos, que fazem parte do processo histórico e da democracia. Entre elas, está a paridade, anteriormente lembrada por Hélgio Trindade: “Nós fizemos um regimento, estatutos, documentos fundacionais de forma paritária. Conseguimos constituir um Conselho Universitário sem precedentes nesse modelo tradicional da universidade brasileira. Mas essa luta foi longa, porque apesar de termos ganhado no primeiro momento, sofremos uma derrota, inclusive judicial”, rememorou, narrando o fato de a constituição formada por um terço de discentes, de docentes e de técnicos ter sido contestada pela Justiça, que determinou que o CONSUN seja formado por 70% de professores.
Outra luta foi a que reivindicava moradia, alimentação e transporte aos estudantes que, além das demandas em si, passava também pela diversidade e particularidades de cada um dos acadêmicos, oriundos de várias partes do país e da América Latina. Gisele Ricobom lembrou ainda da luta sindical e da luta pela internacionalização, iniciando pela ascensão da então Secretaria de Relações Internacionais à consolidação de Pró-Reitoria: “Nós fizemos um avanço na área das relações internacionais da universidade pensando não só na internacionalização”, contou.
Segundo ela, dentro desse contexto de internacionalização, um dos projetos mais ousados é o Pró-Haiti, que possibilitou a vinda de estudantes desse país: “Acho uma luta que fez história, porque avançou para outros refugiados também, entendendo a importância de uma seleção diferenciada para desiguais. Nós sempre temos que fazer processos que considerem as igualdades estruturais que nós temos. Os candidatos não podem competir numa forma de seleção com a ideia de mérito, de capacidade. Estamos falando de uma universidade que preza por outros valores”, defendeu.
Todos esses projetos, segundo ela, comprovam a ousadia da UNILA, “ousadia que requer coragem”. Termo usado por Laura Amato, que encerrou as intervenções se dirigindo aos alunos: “Ousem! Ousem pensar diferente. Ousem fazer diferente. Ousem ir além daquilo que foi determinado. Somente com essa ousadia que a gente consegue justamente fazer com que a missão da instituição se valha”.
Integração pela cultura
A solenidade de recepção de novos estudantes foi encerrada com apresentações de dança por acadêmicos.