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Cinelatino discute tabus que cercam a sexualidade das pessoas com deficiência

Exibição do filme “Assexybilidade”, com a presença de seu diretor, Daniel Gonçalves, integrou programação do Setembro Verde na UNILA
publicado: 03/10/2024 21h05, última modificação: 05/10/2024 11h17

Pessoas com deficiência não são assexuais ou angelicais. Ao contrário disso: têm desejo, namoram e mantém relações como todos. Cerceá-las neste sentido é, ao mesmo tempo, preconceito – o capacitismo – e violência. Estas são algumas das conclusões a que pôde chegar o público da última edição do Cinelatino, após assistir a “Assexybilidade” (2023), longa do jornalista e diretor Daniel Gonçalves. Marco nas telas do cinema brasileiro, o longa foi exibido no dia 24 de setembro, dentro da programação do  Setembro Verde: mês da inclusão social da pessoa com deficiência, da UNILA. Após a sessão, houve um debate com a presença do diretor, que também é uma pessoa com deficiência.

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Segundo longa-metragem de Gonçalves, “Assexybilidade” surgiu durante a montagem do seu primeiro longa, “Meu nome é Daniel” (2018), exibido pelo Cinelatino em 2019. “Tem uma sequência em que falo sobre minhas primeiras experiências afetivo-sexuais. E em algumas conversas que tive com o Vinicius Nascimento, que montou o filme comigo, tivemos a ideia de fazer um filme só sobre isso. Porque já naquela época, a partir das minhas histórias e de outras histórias de pessoas conhecidas, entendi o quão tabu era falar sobre isso”, narra o cineasta.

Sexualidade e visibilidade

Com relatos sobre as experiências de flerte, namoro e sexo de pessoas com deficiência, “Assexybilidade” tem sido exibido a diversos públicos. Para isso, os realizadores têm levado a produção a espaços distintos, e não apenas às salas de cinema. Conforme Gonçalves, esta decisão tem como fim falar sobre violência e abuso sexual contra pessoas com deficiência e a respeito dos direitos e da saúde sexual desta população.  “Também questionar um pouco de onde veio esse padrão que diz que o ‘normal’ é ser branco, hétero cisnormativo e, a partir desse lugar, desses objetivos, levar o filme para órgãos de saúde, por exemplo. A gente já fez exibições na Fiocruz, no Rio, em que o filme foi um disparador para uma conversa maior, tipo um seminário, falando sobre sexualidade, pessoas com deficiência e direitos e de saúde sexual”, contextualiza.

Entre os espaços fora dos cinemas, estão ainda órgãos de Segurança, como o Ministério Público, Secretaria de Segurança e delegacias, “para de alguma maneira conseguir preparar melhor esses lugares, esses órgãos, para receber denúncias de violência e abuso contra pessoas com deficiência”, cujos números, segundo ele, são muito altos, mas sobre os quais pouco se fala.

Dentro dessa estratégia, a produção visa ainda atingir as famílias, núcleo em que muitas vezes as pessoas com deficiência são abusadas ou têm seus direitos negados. Para ilustrar esses casos, Daniel Gonçalves cita um fato ocorrido em São Paulo, quando participava de um desses debates, em que uma jovem pediu a palavra e perguntou o que ele achava do que era feito com irmão dela, com deficiência intelectual. “Ela disse que a família fazia castração química nele como uma maneira de ‘protegê-lo’ e eu falei que aquilo era tudo, menos proteção. Era medo, cerceamento de direito dele, era muito violento”, narra. Depoimentos semelhantes também podem ser vistos em “Assexybilidade”, em que Pedro, um dos personagens do filme, com síndrome de Down, disse ter tido várias namoradas, mas que ainda era virgem, pois as famílias das namoradas não deixavam eles sozinhos. “Isso é muito violento”, ratifica.

Cinelatino

Organizada por meio de parceria entre o Cineclube Cinelatino e a Secretaria de Ações Afirmativas e Equidade da UNILA, a exibição de “Assexybilidade” foi seguida de um debate com o diretor e a participação de Paula Linhares, professora da área da Educação da UNILA e fotógrafa, e de Giovana Reis, estudante de Química na Universidade e pessoa com deficiência

Projeto de extensão da UNILA, o Cinelatino tem como parceiros o Cine Cataratas e o Sudacas Bar, e se caracteriza por trazer à cidade filmes que raramente chegam à comunidade de Foz do Iguaçu. Especificamente em relação ao filme “Assexybilidade”, Clarissa Moebus Ramalho, professora de Roteiro da instituição, avalia que “sem dúvida alguma”, uma pessoa ser retratada de alguma maneira no cinema, enquanto, na maioria das vezes, ela é invisibilizada, é “muito importante”. “É uma forma de dizer: ‘olha, estamos aí, fazemos parte dessa sociedade, temos todos os direitos, como todo mundo tem’”, contextualiza. Para ela, isso leva o estudante a entender que não há uma maneira única de se fazer cinema. Além disso, proporciona a eles compreender que os realizadores estão o tempo inteiro renovando, criando e inovando de alguma maneira”.

Moebus vê, em exibições como a propiciada como “Assexybilidade”, uma forma de estimular as pessoas para que ocupem os lugares que querem ocupar. Conforme a docente, sua observação é voltada não apenas para os estudantes de Cinema, mas para os estudantes de um modo geral, para que entendam e percebam a importância que é se darem conta do lugar em que querem estar. “[Perceber] que a Universidade é possível. Não é um sonho. Não é uma utopia. Não é uma ilusão e só alguns podem estar nela. Não! Vamos ocupar essa nossa universidade. Vamos fazer com que todos participem dela, com ou sem deficiência”, encerrou.