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Saúde: a perspectiva dos ambientes e os determinantes sociais

publicado 09/11/2022 11h12, última modificação 09/11/2022 11h26
Podcast "Saúde em dia" - Episódio 3

Podcast "Saúde em dia"
Transcrição do episódio 3:  A saúde pela perspectiva dos ambientes e os determinantes sociais da saúde

Orador 1: Luís Fernando Zarpelon (médico perito e professor da UNILA)
Orador 2: Roberto Almeida (médico intensivista e professor da UNILA)

Orador 1
Olá. Estamos aqui iniciando mais um episódio do podcast “Saúde em dia”. Essa é uma atividade promovida pelo Departamento de Promoção e Vigilância em Saúde da UNILA, e eu sou o Luís Fernando Zarpelon, médico do Departamento de Promoção e Vigilância em Saúde. Nós vamos falar mais um pouco sobre saúde e, neste segundo episódio, nós vamos falar um pouco sobre a saúde em uma perspectiva do ambiente coletivo, a dimensão sociocultural das condições de vida, os sistemas humanos, o sistema educacional e econômico. Vamos falar um pouquinho sobre a perspectiva da saúde presente em todas as políticas públicas que estão diretamente relacionadas com a nossa vida. Para isso, nós convidamos o professor Roberto Almeida, que é médico intensivista, especialista em Gestão de Hospitais e em Educação Médica, professor da área de Urgência e Emergência do curso de Medicina da UNILA. É membro fundador do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida e também membro fundador do Grupo de Estudos em Saúde Planetária do Instituto de Estudos Avançados da USP, que é membro da Aliança para a Saúde Planetária, coordenada pela Universidade de Harvard.

Olá, professor Roberto. Obrigado mais uma vez para estar conosco aqui, para falar de um tema que é absolutamente importante hoje, a questão da saúde a partir de uma perspectiva do ambiente sociocultural.

Orador 2
Boa tarde, Luís. É um prazer estar aqui, dando continuidade a esse trabalho.

Orador 1
Eu gostaria de perguntar o seguinte, nós sabemos que há determinantes nossos, as minhas condições genéticas herdadas, o meu estilo de vida. Então, se eu pratico ou não algum tipo de exercício, se eu tenho uma alimentação mais ou menos saudável, os meus hábitos que interferem na minha saúde. Mas é também um pouco de senso comum, de que existem vários outros elementos que são do nosso meio, do nosso sistema de trabalho, da nossa sociedade e que também interferem nisso. Como que a gente poderia abrir falando um pouquinho sobre esses fatores determinantes da saúde do indivíduo?

Orador 2
Esse é um tema interessante… O Canadá, que foi um país que a gente pode dizer que é pioneiro na preocupação da saúde e na promoção de saúde, teve um ministro da Saúde chamado Lalonde, que fez um relatório que ficou clássico para mostrar que a saúde das pessoas não depende só da assistência à saúde. Então muitas pessoas pensam que a saúde de uma população depende de ter médicos, remédios, hospitais, posto de saúde, farmácia, remédio. Então essa visão, vamos dizer assim, de que acesso a serviços de saúde seria importante para a saúde… Nesse relatório, na década de 70 por aí, começou a se destacar que não é só isso. Existe a necessidade de entender que existe o fator genético, como você falou, que cada pessoa tenha seu patrimônio genético, a sua herança. Mas existe, além disso, como a gente falou, os fatores do estilo de vida, os hábitos que a pessoa tem, mas também as condições de vida, onde ela vive, como ela se relaciona, esse ambiente social e o ambiente natural em que ela está inserida. Então esses fatores ambientais são muito importantes como determinantes de saúde. Então, hoje em dia existe bastante preocupação com esses fatores, chamados determinantes sociais da saúde, porque as condições de vida dependem disso. Como você falou: moradia, segurança, transporte, o próprio sistema de educação da pessoa, a questão da segurança no ambiente que ela vive. Então tudo isso são fatores que, de alguma forma, podem colocá-la mais vulnerável ou menos vulnerável às questões de saúde.

Orador 1
E para as pessoas que estão nos ouvindo entenderem. Por exemplo, qual é o peso do aspecto genético da biologia no determinante de saúde? Qual é o peso do cuidado médico? Hoje a gente percebe essa discussão muito forte. O genoma, os avanços moleculares, as reportagens com laboratórios de ponta, equipamentos. A gente percebe uma discussão das pessoas, precisa de médico, precisa de hospital, falta médico nas unidades de saúde… O quanto esses elementos, os nossos genes, a biologia, pesam na saúde do indivíduo e o quanto o cuidado em saúde pesa comparado com as questões socioeconômicas e socioambientais?

Orador 2
Pois é, isso aí pra mim foi uma das grandes… Porque quando a gente estava na faculdade de Medicina, no século passado, a gente estava na época em que o genoma estava sendo estudado e o Projeto Genoma apontava a possibilidade de a gente ter uma solução a partir da engenharia genética. Mas os resultados vieram e mostraram que, infelizmente, a genética é mais complexa e não está tão fácil de a gente resolver os problemas através da genética. O impacto da genética é de 10%. Então isso pra mim foi um impacto, porque muita gente achava que a genética que faz as pessoas ficarem mais doentes ou não por causa das condições familiares. Então a genética tem 10%. Tem uma pegadinha aí que eu vou explicar mais adiante. Mas o impacto é de 10% para doenças realmente genéticas. Agora, o acesso a serviços de saúde também é superdimensionado. As pessoas acham que ter remédio e hospital é muito impacto na saúde de uma população… A gente está falando da saúde populacional, não do indivíduo. Um indivíduo acometido por uma doença, para ele, é 100%. Mas para uma população, esse impacto é de 10%. Na questão do acesso também, é um problema. Hoje, se você imaginar quantas pessoas neste exato momento estão precisando de serviços médicos, é um percentual pequeno da população. Então, o impacto dos serviços é em torno de 10% também. Então, os outros 80% resultam do impacto que vai ser causado pelo estilo de vida e pelo ambiente. É isso que precisa ser mais conversado com as pessoas e por isso a gente está tentando esclarecer cada vez mais isso, porque senão as pessoas ficam com essa visão equivocada de que ou elas estão presas em uma situação genética que não tem saída, ou elas estão sem os serviços que dependem de acesso a hospitais e medicina. E isso não é uma verdade.

Orador 1
Quer dizer que então, quando a gente olha para uma população e analisa a condição de saúde daquela população, a gente pode dizer que 20% dos fatores que impactam naquela condição de saúde estão relacionados às questões genéticas e biológicas e ao acesso à saúde. E que 80% das condições de saúde daquela população estão determinadas por fatores comportamentos saudáveis, pelo ambiente no qual a pessoa está inserida, por fatores socioeconômicos e culturais. Ou seja, as políticas públicas deveriam olhar para isso. Talvez por isso falar um pouco sobre a preocupação em saúde em todas as políticas, por exemplo, no ambiente de trabalho das pessoas, mesmo que não tenha relação nenhuma com a questão da saúde, né...

Orador 2
É, isso acaba trazendo uma perspectiva de saúde ampliada, vamos dizer assim. Você vai ver a saúde, por exemplo, em todas as circunstâncias. O trabalho, como um ambiente em que a gente passa oito horas, é um local tanto para a saúde física quanto para a saúde mental e emocional… E aí a gente passa a ter uma necessidade de olhar a saúde de uma maneira mais ampla, não só a saúde biológica da pessoa. Então essa perspectiva desses fatores sociais, ambientais e comportamentais da saúde têm, inclusive… Aí vem aquela pegadinha que eu tinha falado, esses fatores atuam sobre a genética das pessoas, num conceito novo que ficou mais claro neste século 21, que é a epigenética. Então você tem a pessoa que está tendo uma genética modificada pelo comportamento, pelos hábitos, pelo ambiente em que ela convive, até pelos elementos, até pela água, dependendo… Hoje em dia você vai tomar uma água, você tem que ver se ela é BPA Free, porque ele é um fator que pode estar mexendo com a sua genética. Então, fatores ambientais, fatores culturais, sociais acabam interferindo na expressão genética. Então, essa é a grande mudança que a gente tem que começar esclarecer para a população, e os profissionais de saúde também devem começar ficar atentos quanto a isso.

Orador 1
E quando as pessoas falam nessa perspectiva a partir de um conceito de saúde integrativa, seria relacionado a integrar todos esses processos. Esse conceito de saúde integrativa é isso mesmo?

Orador 2
A saúde integrativa tem aqui no Brasil três vertentes, vamos dizer assim, uma da medicina integrativa, que é uma proposta que começou fora. As universidades americanas começaram a perceber a necessidade de integração de conhecimentos atuais da ciência médica com conhecimentos tradicionais. Então, por exemplo, medicina chinesa, medicina ayurvédica, que tem umas práticas milenares, tradições de cinco mil anos de cuidado da saúde das pessoas, com a tradição mais moderna. Então, quando ocorreu esse interesse de entender, surgiu o conceito de medicina integrativa. Vários hospitais hoje em dia estão integrando, no atendimento, por exemplo, de um paciente com câncer, além da quimioterapia e radioterapia, elementos que tragam o bem-estar, como práticas integrativas. O próprio SUS, hoje, tem as práticas integrativas, como a acupuntura, a questão da fitoterapia, reiki, medicina germânica e várias outras técnicas que são menos convencionais, mas que podem ser integradas. Então, essa visão de saúde integrativa pode ser essa visão baseada na medicina integrativa e nas práticas integrativas. Mas a proposta que a gente tem falado e que envolve todos esses elementos da genética, do ambiente e dos relacionamentos, isso aí é uma visão integrativa dessas outras dimensões. E envolve, por exemplo, as políticas públicas, envolve considerar outros elementos e a própria relação que o ser humano tem com o ambiente, que a gente vai falar mais adiante, mas de maneira que essa é uma visão integrativa também.

Orador 1
Por exemplo, quando a gente fala em saúde, todos os aspectos da política pública, de alguma forma, repercutem na saúde. Já tem evidências que mostram que a melhora do nível de saúde, por exemplo, de crianças de uma comunidade está muito mais relacionada com o nível de educação das mães, a elevação da educação das mães, do que a construção de um hospital pediátrico, ou de qualquer coisa que seja. Então, a gente poderia pensar na saúde integrativa na perspectiva de que o problema de saúde é transetorial. Ele não está relacionado a um setor especificamente. Ele tem que ter políticas que estejam olhando para isso na perspectiva alimentar, da qualidade do alimento que você disponibiliza para consumo, então o teor de sódio, teor de açúcar dos alimentos. Na perspectiva da sustentabilidade, em termos de que você tenha comunidades efetivamente integradas no seu meio ambiente, na produção do seu alimento, quer dizer, na produção de alimentos orgânicos…

Orador 2
No bairro… Uma coisa que eu tenho visto nessa parte da saúde dos relacionamentos e a saúde nesse contexto dos determinantes sociais… Uma das coisas que a pandemia também ajudou a gente enxergar, porque muita gente foi colocada em home office, muito gente trabalhando em casa. Então o ambiente de trabalho não vai ser mais o mesmo para muitas pessoas que não vão voltar para trabalhar. E aí elas ficam em casa e, quando elas ficam em casa, a importância do bairro passa a ser diferente. Então, uma das coisas que precisa ser revista e já tem… A prefeita de Paris, recentemente, foi reeleita com uma proposta de trazer uma perspectiva da cidade em 15 minutos, ou seja, um bairro em 15 minutos, no qual você consiga trabalhar, ter educação, ter lazer, ter alimentação, ter tudo num bairro de 15 minutos e em que você conheça as pessoas. Então há uma necessidade de você se sentir num ambiente que não é esse do trabalho… Hoje tem uma visão convencional, de que a pessoa entra no carro, vai para o trabalho, trabalha horas lá, volta de carro, passa no mercado, compra, entra em casa e fica assistindo televisão. Essa noção de qualidade de vida está na origem de muitos problemas de saúde das pessoas. Então, à medida que cada pessoa caminha no bairro, conversa com as pessoas e interage com as pessoas, ela passa a ter uma qualidade de vida que vai impactar na saúde, com hábitos mais saudáveis. Então, essa perspectiva é muito interessante de ser cada vez mais construída, e eu acho que por essas transformações que a sociedade está passando.

Orador 1
Dentro de praticamente dois daqueles pilares da Medicina do Estilo de vida, os relacionamentos saudáveis… Quer dizer, a pessoa precisa ter relacionamentos para que ela seja saudável. Com as grandes cidades, as pessoas foram se isolando, foram ficando cada vez mais individualizadas. E hábitos baseados nessa psicologia positiva do relacionamento. Mas assim, dentro de um ambiente, por exemplo, de uma organização de trabalho, como é que a gente poderia pensar em aspectos que contemplassem essa questão de um ambiente saudável? O que você que tem trabalhado, o que tem visto de experiências ao redor do mundo, que tem participado de debates, escrito, capítulos de livros sobre essa temática. Como que você imagina que uma organização… Porque, veja, nosso próprio ambiente da Universidade, nós somos uma organização, uma organização de alto nível intelectual, servidores, docentes, técnicos, alunos, são pessoas que têm formação especializada, têm uma alta compreensão. Como é que nós podemos pensar em políticas que fomentassem a saúde dentro desse ambiente? E a gente vê, às vezes, as pessoas com dificuldade em relação a um aspecto ou outro. Como é que seriam elementos que poderiam estar institucionalizados dentro da prática de uma organização como a nossa, que poderia ser um piloto, que poderia ser um modelo para outras instituições, pelas características que nós temos. Somos uma instituição de pesquisa, de crítica, com um estafe de alto nível intelectual. Como que a gente poderia aproveitar esse potencial e desenvolver modelos que pudessem ser inclusive compartilhados com outras instituições?

Orador 2
Eu faço parte… Existe um movimento chamado “Universidades Saudáveis” e eu faço parte até pela UNILA. A gente já teve um encontro aqui no Brasil. É um movimento das universidades que fazem exatamente essa proposta: como que a gente transforma esse ambiente rico, de pessoas com um nível intelectual elevado, mas que torne esse ambiente mais saudável. Porque o risco dos ambientes de trabalho é que as atividades acabam sendo cansativas e, às vezes, tolhem as potencialidades das pessoas e acabam criando o que eles chamam de ambiente não saudável, tóxico ou até gerador de patologias, não só físicas, mas mentais e emocionais. Então, o Movimento das Universidades Saudáveis propõe que essas pesquisas de ponta, que a ciência médica, que a ciência de saúde, que a Medicina do Estilo de Vida, que outras evidências da psicologia positiva, todas essas informações, que são científicas, baseadas em evidências científicas, elas passem a ser adotadas como se fossem políticas internas da universidade para promover saúde, para gerar ambientes, para gerar iniciativas. Então, é preciso considerar isso como parte da estruturação da universidade, assim como se organiza um departamento, quem vai exercer as funções, você precisaria incorporar, na universidade, certas atividades, certos horários, certas pessoas responsáveis para que essas coisas façam parte desse ambiente, que aí sim ela vai ser uma universidade geradora de saúde, um ambiente gerador de saúde. As universidades estariam nesse caminho fazendo isso. As empresas têm hoje uma responsabilidade muito grande de promover qualidade de vida no trabalho, porque, para reter os Millennials, que são essa geração de jovens, eles precisam estar em ambientes em que se sintam bem. Eu até estava vendo um movimento chamado de “demissão silenciosa”… As pessoas estão saindo dos ambientes, porque elas estão se sentindo mal nos ambientes. Tem um movimento internacional de demissão das pessoas, porque elas preferem ganhar menos ou adequar a vida para viver com mais tranquilidade, do que ficar, às vezes, em ambiente de trabalho. Então existe por parte das instituições, sejam públicas ou privadas, essa necessidade de cuidar dos ambientes. E para piorar ou para incentivar isso, a Síndrome de Burnout, que é a síndrome do estresse, ela era considerada uma falha do indivíduo. A partir desse ano, ela é considerada uma responsabilidade, uma doença do trabalho, ou seja, a pessoa ficar estressada num ambiente, ficar esgotada, isso não é mais um problema do indivíduo, é um problema da instituição. Então, talvez esse seja o momento em que universidades e empresas comecem a pensar e a incluir isso como parte do negócio, porque antigamente o bem-estar da pessoa era uma coisa secundária, cada um cuidava do seu bem-estar… Talvez esse seja o nosso caminho.

Orador 1
E aí, professor Roberto, nós gostaríamos de fazer um novo convite para um terceiro episódio, para que a gente falasse um pouquinho sobre o nosso ambiente natural, sobre a saúde numa perspectiva, numa dimensão ecoplanetária. A gente pôde ver nas suas falas neste episódio e no episódio anterior, o resgate de várias experiências, de várias observações que têm sido feitas ao longo de vários locais mundo afora, que esta é de fato uma preocupação e que a gente tem acompanhado e visto os processos ecológicos, as alterações do clima, as perspectivas de elevação de temperatura média do planeta, o que representa isso do ponto de vista de riscos de novos vírus, de mutações. Então, isso é uma temática que a gente gostaria de convidar para falar no nosso terceiro episódio. Gostaria de agradecer a sua presença aqui, dizer que foi bastante esclarecedor e que acho que essa é uma preocupação fundamental que a UNILA vem demonstrando em entender como que a gente pode melhorar o nosso trabalho e se colocar uma posição de vanguarda. Eu acho que nós temos todas as condições para ocupar essa posição de vanguarda em termos de representar uma instituição salutogênica.

Orador 2
É isso aí! Vamos fazer a UNILA ser uma universidade salutogênica.