Institucional
UNILA inicia construção de sua política institucional antirracista
"Construindo uma UNILA antirracista", tema do Novembro da Consciência Negra, além de guiar atividades que chamam a atenção para o combate ao racismo traz em seu objetivo também o início da construção de uma política institucional antirracista.
“Infelizmente, racismo ainda é um tema muito pouco discutido e é extremamente difícil. As pessoas que fazem parte da universidade, da sociedade como um todo, precisam discutir o racismo”, enfatiza a docente Angela Maria de Souza, coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Latino-Americanos e Caribenhos (NEALA) e, desde 2011, envolvida na organização das Semanas da Consciência Negra da UNILA.
A partir deste ano, a Semana passa a integrar a programação dos meses de novembro voltados ao debate de questões relativas à igualdade racial e ao combate ao racismo, organizadas pelo NEALA e a Secretaria de Ações Afirmativas e Equidade (SECAFE). Com a SECAFE, diz Angela, espera-se ampliar esses debates para que a UNILA seja “de fato, uma universidade antirracista”.
“O racismo é tão perverso que ele atua de forma inconsciente”, ressalta Angela, o que faz com que, muitas vezes, as pessoas não percebam a necessidade de reflexão e participação nos debates. “Inconscientemente, todo mundo diz ‘eu não sou racista’, mas a prática é o que define. E acho que, às vezes, as pessoas têm medo de serem taxadas como racistas”, comenta a docente, lembrando que o objetivo é não individualizar comportamentos. “Exceto casos explícitos de racismo, ninguém vai apontar o dedo pra ninguém. O racismo é uma construção social. A gente não pode trazer para o individual um problema que é muito mais complexo. Tem que ser tratado socialmente, coletivamente, institucionalmente.” Por isso, para ela, “é necessário que a universidade se aproprie desse debate, que faça um trabalho de escuta e tenha práticas antirracistas, que esteja na cultura da universidade, em todo todos os dias do ano, não somente em novembro.”
A política antirracista da UNILA começa a ser construída a partir dos eventos deste mês e com a criação da Comissão Permanente de Acesso e Permanência para Pessoas Negras e Quilombolas (CAPNQ) – nome ainda provisório –, que inclui integrantes do NEALA, outros docentes e servidores técnico-administrativos. O próximo passo é propor uma minuta do documento, com discussões com a Comissão e comunidade acadêmica, principalmente, coletivos negros. Posteriormente, a minuta será disponibilizada para consulta pública. A intenção é apresentar a política antirracista da UNILA ao CONSUN, no primeiro trimestre do próximo ano.
“A implantação da SECAFE traz essa responsabilidade de oferecer estratégias nesta questão. É uma responsabilidade social e é também uma necessidade legal, porque existe uma legislação que obriga a universidade se posicionar, criar mecanismos de enfrentamento ao preconceito racial”, diz a socióloga e pedagoga Elaine Cristina Cardoso Freitas, chefe do Departamento de Relações Étnico-Raciais da SECAFE.
Sobre a criação da Comissão, Elaine lembra que pretos, pardos e quilombolas são o único grupo sem acompanhamento para questões de acesso e permanência, diferentemente de indígenas e refugiados. “Temos o ingresso por cotas, mas não uma comissão que ajude a pensar estratégias para ingresso e permanência”, comenta. Ela cita como exemplo dessa lacuna as bancas de heteroidentificação, que analisam o fenótipo do estudante para a matrícula. “A banca faz a parte técnica, mas não tem ninguém que discuta mais amplamente questões de como será essa banca, que todo ano tem novos integrantes.”
Enfrentamento
Outra ferramenta que será utilizada para a consolidação de uma cultura antirracista na Universidade é um guia de enfrentamento “para que as pessoas poderem saber que caminho seguir”. “O guia de enfrentamento é para negros e para brancos. Pra todo mundo. É algo mais prático. Ele vai trazer uma série de termos, um letramento básico que as pessoas precisam ter para saber como trabalhar no ambiente em que estão. E preparar o sujeito da política para que ele saiba dar nome ao que sofre, para que saiba o que fazer quando acontecer e a quem procurar”, explica Elaine.
A definição de uma política institucional, concretizada por ações, ferramentas e normativas, “é fundamental”, diz Angela Souza. “Nos dá respaldo, nos ampara. Cria caminhos viáveis para a ‘prática’ antirracista. Os documentos aceitam tudo. A gente tem excelentes documentos, muitos, inclusive, ajudei a construir, mas só eles não são suficientes. A gente precisa de ações, de práticas e vivências, por isso, é tão importante a formação.”
Estudar o assunto, aprender o que é o racismo e o que são práticas antirracistas é um dos primeiros passos para a mudança de atitude, orienta Angela. “A primeira questão é a gente estudar. As pessoas acham que o racismo geralmente é algo interpessoal. Não. É muito mais complexo”, afirma, usando a própria estrutura universitária como exemplo. “Ela reproduz práticas racistas. Quantas e quantos docentes e técnicos e técnicas negros, indígenas, trans nós temos? Quantas mulheres negras nós somos nessa universidade? Isso é algo que todos e todas nós precisamos olhar.”
E o aprendizado também é necessário para aqueles que são vítimas de racismo. “Muitos estudantes negros enfrentam falas e práticas racistas em seu dia a dia. Muitos não percebem que estão sendo vítimas de racismo”, observa Elaine.
Foi o que aconteceu com a haitiana Djanamy Clermon, aluna de Administração Pública e Políticas Públicas, que está em Foz do Iguaçu há quatro anos e não entendeu o questionamento que recebeu. “A menina ficou me encarando o tempo todo e daí chegou e me perguntou ‘por que você é preta?’. Foi a primeira vez que fui questionada pela minha cor. Eu não sabia que a cor da minha pele era questionável. No meu país, o Haiti, ser preta é liberdade, é orgulho”, relata. “Com o tempo, entendi também que a questão da cor da pele negra não é só uma questão de cor. É uma questão de condição social, que, infelizmente, não é bem vista na sociedade ou bem acolhida.” Essas e outras vivências, incluindo também xenofobia, levaram Djanamy a perceber que “essa luta vai ser grande”.
A jovem procurou, então, o Coletivo das Pretas e a Associação dos Migrantes Indígenas e Refugiados de Foz do Iguaçu, da qual hoje é integrante. “Ali, comecei a me sentir mais acolhida. Ter um sentimento de pertencimento. A gente questiona esses assuntos, o por quê está assim, como podemos encarar, resolver, como podemos criar um laço forte pra gente não se sentir tão sozinho.” Mais recentemente, Djanamy procurou também a SECAFE onde recebeu acolhimento.
Para ela, uma política antirracista para a UNILA deve propor ferramentas para “poder realmente encarar esse mal que é o racismo” no Brasil. “Porque infelizmente nem todo mundo aceita que o Brasil é um país racista ou onde tem racismo”, comenta. Observando o assunto também por um viés de quem é imigrante, a estudante propõe que a política vá além de olhar o negro somente como alguém vulnerável. “A gente também pode contribuir, a gente também tem ideias, projetos pra compartilhar. Nós sempre estamos colocados no papel daquele que está recebendo ou precisando de ajuda. Sim, precisamos, mas depois também podemos contribuir. Acho que essa política para combater o racismo dentro da universidade deveria ter esse olhar e potencializar mais as pessoas.”
“Acho que a política antirracista vai provocar, vai levar esses estudantes a conseguir dar nome para o que passam, a saber como lidar com isso e que existem lugares, pessoas que podem acolher a eles”, aposta Elaine. Angela Souza também segue na mesma linha. “Um estudante ou qualquer outra pessoa que passa por uma situação relacionada a racismo ou qualquer tipo de violência e preconceito e denuncia, estimula as outras pessoas que sofrem a mesma violência a tomarem providências, porque o que a gente mais vivencia é: a pessoa sofre a violência, recua e sofre sozinha.”
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