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CONSUN regulamenta titulação por Notório Saber na UNILA

Objetivo é reconhecer saberes populares e ancestrais; título é equivalente a um doutorado e permite a atuação acadêmica
publicado: 25/11/2024 13h38, última modificação: 25/11/2024 13h39
A sessão contou com a presença de Mãe Edna de Baru, um ícone da preservação e da difusão da cultura e expressão negra na cidade de Foz do Iguaçu

A sessão contou com a presença de Mãe Edna de Baru, um ícone da preservação e da difusão da cultura e expressão negra na cidade de Foz do Iguaçu

O Conselho Universitário (CONSUN) aprovou, na reunião ordinária de novembro, a regulamentação para que a Universidade possa conceder certificado de Notório Saber a mestras e mestres de Conhecimentos, Práticas e Ofícios Tradicionais e Populares. Na prática, significa que, a partir dessa certificação, essas pessoas poderão obter uma titulação equivalente ao doutorado.

Conforme explica a chefe de gabinete, professora Senilde Alcantara Guanaes, o título habilita a pessoa que o recebe a exercer a docência e contribuir em pesquisas e projetos extensionistas. Ela pontua que “os conhecimentos tradicionais sempre foram utilizados pela ciência e sempre estiveram presentes na universidade, em diversas pesquisas e áreas do conhecimento. Por isso, a regulamentação do Notório Saber coloca em equivalência os cânones acadêmicos e os saberes tradicionais”.

Essa possibilidade deve contribuir, inclusive, com “a formação profissional dos(as) nossos(as) acadêmicos(as) e com as pesquisas e ações desenvolvidas na universidade, possibilitando a redução de assimetrias históricas entre os portadores e portadoras desses conhecimentos e os(as) demais cientistas, ao reconhecê-los como autoridades em determinados assuntos”, acrescenta Senilde. Para ela, “o título é também uma forma de proteção do patrimônio cultural, à medida que outorga mestres e mestras como guardiões e guardiãs dos saberes tradicionais, responsáveis pela preservação e transmissão desses conhecimentos para as gerações futuras”.

O Notório Saber é uma titulação prevista na legislação educacional brasileira, tendo como referência legal o parágrafo único do artigo 66 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que permite reconhecer e outorgar as experiências e conhecimentos extra-acadêmicos, ou seja, o conhecimento adquirido fora do ensino superior formal, que seja considerado notório, excepcional e relevante por uma banca julgadora. Porém, a UNILA é uma das poucas universidades brasileiras já habilitadas a conferir esse título.

E na UNILA essa regulamentação ganha um peso ainda maior, uma vez que “nossa região é marcada pela diversidade cultural, linguística, territorial e por estarmos em área de fronteira, o que requer, além de uma diversidade epistêmica, a integração de distintos saberes no enfrentamento dos problemas regionais. Além disso, a região possui uma dívida histórica com os povos e comunidades que aqui vivem: temos uma das maiores redes de populações tradicionais do Brasil, que é a Rede Puxirão; estamos em um território Guarani, uma das maiores etnias da América Latina; temos ainda as comunidades remanescentes de quilombos, as religiões de matriz africana, que são templos de saberes ancestrais. Ou seja, são muitos mestres e mestras que têm muito a contribuir para um desenvolvimento econômico e social mais equânime, solidário e sustentável”, conforme pontua Senilde.

Compromisso com a inclusão

A reitora Diana Araujo Pereira declarou que, "com isso reafirmamos nosso compromisso com os saberes populares e ancestrais, um reconhecimento que valoriza o conhecimento legítimo, originário da experiência, da memória e dos acervos ancestrais".

Para o diretor do Instituto Mercosul de Estudos Avançados (IMEA), professor e pesquisador Gerson Galo Ledezma Meneses, o reconhecimento do Notório Saber é um importante instrumento de inclusão, pois “não vale apenas ter colocado em andamento, por lei, as cotas étnico-raciais, se elas não vêm acompanhadas de cotas epistêmicas”. Assim, é importante que “mestres e mestras desses saberes estejam dentro das universidades”, destaca.


A sessão contou com a presença de Mãe Edna de Baru, um ícone da preservação e da difusão da cultura e expressão negra na cidade de Foz do Iguaçu

Para a professora Angela Maria de Souza, que foi uma das relatoras do processo e é pesquisadora das relações étnico-raciais, a possibilidade de titulação deve ajudar a preencher uma lacuna importante na sociedade. “Pensando nas pessoas da comunidade externa, com as quais nós trabalhamos, muitas vezes são pessoas que poderiam ter um título acadêmico, porém, por todas as contingências da vida, elas não têm. E aí entra o papel da universidade de ser uma mediadora”, observa.

Consciência negra

E a aprovação da resolução no CONSUN ocorreu justamente durante o Mês da Consciência Negra, em que se debatem as mazelas históricas envolvendo a comunidade negra, e os desafios a ainda serem enfrentados. “Uma das principais importâncias neste processo é que a universidade reconheça o quanto de conhecimento não acadêmico está dentro da universidade. A universidade precisa se reconhecer a partir de toda a contribuição que a comunidade externa realiza. Essa titulação, então, é um instrumento para que a pessoa acesse outras possibilidades”, acrescenta Angela.

Para ela, “a universidade que queremos passa pela relação que estabelecemos com a comunidade externa. Então, o título de Notório Saber é também no sentido de pensar esse espaço de construção conjunta”, complementa. “O conhecimento produzido na academia é um tipo de conhecimento, não é o único. Então, ainda existe toda uma lógica hierárquica de saberes, como se o conhecimento acadêmico fosse superior aos demais. Só que muitos desses conhecimentos acadêmicos são produzidos e, às vezes, inclusive, apropriados das comunidades, das culturas originárias, das pessoas com as quais interagimos. Esses saberes estão ali, sendo repassados por gerações, por séculos, e são determinantes para a nossa própria sobrevivência e existência”, frisa.

Reconhecimento dos saberes indígenas

O relator do processo, professor Clóvis Antonio Brighenti, que também é pesquisador das temáticas relativas aos povos indígenas, ressalta que, com essa resolução, “a universidade se transformará numa instituição mais inclusiva e democrática. Na medida em que a universidade se abre para esses saberes, valoriza esses conhecimentos e seus portadores e ou detentores dos saberes, a instituição passa a dialogar num nível de Igualdade com as pessoas do entorno”.

Para Brighenti, “é importante frisar que a universidade, ao longo da história, buscou afastar-se das pessoas e comunidades ditas tradicionais, por entender que o saber produzido nas instituições de ensino superior superior aos conhecimentos ditos tradicionais. De maneira hierárquica e impositiva, a universidade criou barreiras e muros entre os saberes e que agora, com essas iniciativas, pode significar o rompimento desses muros”.

O docente observa, ainda, que mesmo na extensão universitária, que já uma aproximação com as comunidades, “muitas vezes a postura da presença da universidade nas comunidades ainda se apresenta de maneira autoritária, ‘levando conhecimento de quem sabe para quem não sabe’.  Sabemos que não pode ser assim, que os saberes devem estar em diálogo sem hierarquizar e precisamos desconstruir essa relação hierárquica".

"O notório saber pode se somar a essa iniciativa de criar relações horizontais com a comunidade, valorizando seus mestres de saberes. Certamente as comunidades passarão a ver com outros olhos a universidade e seguramente as pessoas do entorno vão perceber cada vez mais que a universidade é um espaço plural, de acolhimento e que deve sempre estar aberta ao mundo”, completa Brighenti.