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Gás de cozinha poderia custar R$ 75, aponta pesquisador

Estudo realizado pelo Grupo de Pesquisa em Mobilidade e Matriz Energética da UNILA traz uma análise sobre o mercado e políticas de preços do GLP
publicado: 12/12/2025 15h00, última modificação: 12/12/2025 16h22

Levantamento e análise sobre a evolução dos preços do gás de cozinha (GLP) no Brasil, realizados pelo Grupo de Pesquisa em Mobilidade e Matriz Energética da UNILA, mostram que as decisões e políticas de preços para o setor, a partir de 2015, levaram a uma concentração de empresas distribuidoras e grandes margens na distribuição e revenda. “O que existe é uma consequência de escolhas do governo federal por meio do Conselho Nacional de Política Energética que se refletem nos altos preços do GLP que o consumidor paga hoje”, diz Ricardo Hartmann, docente do curso de Engenharia de Energia e coordenador do estudo.

O estudo, que avalia um período de 10 anos (2015 e 2024) e tem como base dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), relaciona alguns marcos que tiveram como consequência o aumento dos preços – que vinham estáveis desde 2003. O primeiro aumento (15%) ocorreu em setembro de 2015 e, dois anos depois, houve uma alteração considerada mais profunda pelo grupo de pesquisa: o estabelecimento de reajustes mensais para o GLP, com base na média dos preços na Europa, acrescido de 5%. “Os preços foram lá para cima. Ninguém conseguiu segurar. Tiveram que mudar para reajustes trimestrais e deu uma estancada, mas, mesmo assim, continuou aumentando”, comenta Hartmann.

Outra alteração relevante foi definida em agosto de 2019, quando a Petrobras passou a aplicar a política de preço de paridade de importações (PPI), que atrela os valores do gás aos praticados no mercado internacional. No ano seguinte, a distribuidora Liquigás, subsidiária da Petrobras, foi privatizada. “Esse momento é um ponto importante porque quando a Petrobras vendeu a BR distribuidora, ela perdeu o controle ou perdeu a influência no mercado da gasolina. Quando vendeu a Liquigás, aconteceu a mesma coisa, perdeu a influência no mercado do gás”, analisa. “Hoje, não adianta a Petrobras diminuir o preço porque os revendedores não fazem esse repasse para o consumidor”, aponta, lembrando que este é o mesmo cenário apontado em um estudo anterior conduzido pelo grupo analisando os preços da gasolina.

A Petrobras e a Liquigás, diz Hartmann, conseguiam interferir nos preços porque tinham, aproximadamente, 40% do mercado. “A Petrobras diminuía o preço para o consumidor e os demais distribuidores vinham a reboque. Hoje, não tem mais nenhuma empresa que faça esse controle. E isso é justamente o contrário da propaganda, que dizia que a privatização, traria mais competição e que os preços diminuiriam. O que nós estamos vendo é o contrário.” Hoje, apenas quatro distribuidoras controlam mais de 60% do mercado nacional de GLP. “E como não tem o contraponto da Petrobras e a ANP tem pouca estrutura de  fiscalização, o preço tende a subir.”

Margens

A pesquisa coordenada por Hartmann observa que a margem nas vendas da Petrobras são praticamente equivalentes para a gasolina (30,6%) e para o GLP (31,5%). A margem da distribuição e revenda dos dois combustíveis, no entanto, apresentam uma grande diferença: 19,5% para a gasolina e 52,1% para o GLP. “A gente vê claramente a política refletida no preço. A privatização da empresa Liquigás. deixando livre as margens de distribuição e revenda fez com que os preços do GLP ao consumidor final aumentassem muito.”

Hartmann destaca que entre março de 2018 e dezembro de 2024 houve muita oscilação no preço do petróleo, com uma forte queda em razão da pandemia de Covid 19, que reduziu o consumo, e uma grande alta em razão da guerra na Ucrânia, mas, ao final desse período, o preço voltou ao patamar inicial (US$ 75 o barril).

Os preços do GLP, no entanto, passaram de aproximadamente R$ 75 para R$ 115, sem oscilação para menos. “Se o mercado no Brasil fosse mesmo competitivo, o preço teria ficado no mesmo patamar. O que a gente vê é que essa liberalização do preço induz a inflação, ao aumento. O preço nunca volta a baixar.” Para ele, a política de preços é “boa para o grande comerciante, o revendedor, mas ela é ruim para o consumidor”.

Ele estima que se o mercado nacional operasse dentro de parâmetros internacionais de preços e margem de revenda, hoje o botijão de 13 kg custaria R$ 75. “Muito mais barato do que nós temos hoje.” Para o pesquisador, uma possível solução seria a retirada da política de preço de paridade de importações e a retomada da comercialização pela Petrobras. “Se juntar essas duas coisas, aumenta a oferta na refinaria com preço nacional – porque hoje é tudo cotado em dólar, o que não faz sentido nenhum – e aí a gente consegue de fato ter um preço justo para o GLP”.

Cascavel e Foz do Iguaçu

O acompanhamento dos preços do GLP em Foz do Iguaçu e Cascavel mostra que as duas cidades alternaram posição no patamar mais elevado em diferentes momentos. “Essa é uma dinâmica de mercado que a gente precisa investigar melhor. Existe algum fenômeno, talvez fiscalização ou até prestação de contas, que precisa ser melhor revisto. Essa dinâmica é o próximo escopo da pesquisa”, adianta. O novo estudo também deve incluir a flutuação no número de revendas nas cidades. Cascavel chegou a ter 90 empresas e hoje tem 18. Foz registrou o mesmo movimento, chegando a 31 estabelecimentos e estabilizando em 12.

Esse cenário de concentração na distribuição e do alto custo do GLP é especialmente prejudicial para as famílias com menor renda, causando um impacto que pode chegar até a 67% do orçamento familiar para famílias extremamente pobres. Para famílias com maior renda, esta proporção é de 1% a 2%. “O preço do botijão de 13 kg chega a 10% do salário mínimo. Para famílias que são muito pobres e com muitas pessoas em casa, o consumo é bastante grande. Se as pessoas não têm condições de comprar gás, são empurradas para combustíveis piores como madeira, lenha velha, que solta fumaça e gera problemas respiratórios, ou às vezes, até etanol”, exemplifica, destacando que em 2022, quando os preços atingiram altos patamares, também houve um pico de acidentes com etanol.

Os altos preços do GLP, salienta Hartmann, causam impacto não só às famílias mais pobres, mas em toda a cadeia social. “A maioria dos restaurantes – cerca de 95% – usa GLP. Os preços impactam na alimentação de todos os que precisam comer fora de casa porque o comerciante também está pagando mais caro no gás.”

A pesquisa realizada pela UNILA, diz ele, é uma contribuição para o debate sobre a política energética. “É uma discussão importante. Nós precisamos descortinar essa informação porque muita gente acha que é simplesmente uma ação da Petrobras, mas não é. Tem muitos outros agentes envolvidos, uma grande cadeia de distribuição.”

Fotos:
Botijões:  Freepik
Fogão: Pixabay