Institucional
Política de atenção à saúde mental busca consolidar ações de prevenção na UNILA
Com a perspectiva de criar uma cultura de escuta atenta das necessidades da comunidade universitária, a UNILA tem construído, nos últimos meses, uma política institucional voltada à promoção, à prevenção e à atenção da saúde mental de discentes e servidores. A iniciativa tem como fim fortalecer ações já existentes e redes de acolhimento e ainda implantar diretrizes para que toda a comunidade universitária possa ter um espaço seguro e solidário. Entre as ações, está a criação, em março deste ano, de um grupo de trabalho (GT) para a elaboração desta política, a futura elaboração de um protocolo de atuação e a formação de uma comissão intersetorial para a definição e acompanhamento de ações relacionadas ao tema.
“A política tem por objetivo consolidar o tema na agenda universitária e dar diretrizes para que a gente tenha um programa contínuo de ações, além das que já existem, a respeito da temática de saúde mental”, explica Alisson Vinicius Silva Ferreira, que é psicólogo, trabalhou no atendimento a estudantes na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) e hoje é assessor da Reitoria. “Essas ações devem buscar, principalmente, a prevenção e a orientação do indivíduo”, completa.
O GT foi criado no final de março deste ano, retomando os trabalhos iniciados em 2015, dos quais resultaram diversas ações de prevenção, como o Setembro Amarelo. O grupo é formado por psicólogos da UNILA, servidores de setores que fazem o atendimento aos estudantes, representantes de docentes e de estudantes. Com a política, explica o psicólogo, a ideia é que exista uma continuidade de ações. “A universidade se renova todo ano, com o ingresso de novos estudantes e também servidores, por isso, a necessidade de atualizar a atuação. E a política tem o poder de definir essas diretrizes”, destaca.
O GT para elaboração de proposta de Política Saúde Mental terá por atribuições elaborar
proposta de política de prevenção ao sofrimento psíquico, promoção da
saúde mental e qualidade de vida na UNILA; e
desenvolver protocolo
com fluxo de atendimentos
e encaminhamentos envolvendo casos de sofrimento psíquico
As discussões do GT também estão voltadas para a atualização do protocolo de atenção à saúde mental: o que fazer, onde procurar ajuda, como ajudar nas crises e no cotidiano da Universidade. Na página da PRAE, existe uma cartilha com orientações e também um fluxograma para atendimento. “Essas informações estão sendo atualizadas e serão divulgadas de forma contínua.”
Um terceiro ponto em debate é a possibilidade de criação de uma Comissão Intersetorial, reunindo professores, estudantes, representantes dos institutos, assistentes sociais e profissionais da área da saúde mental que estão distribuídos pela estrutura administrativa da UNILA, como psicólogos que atuam na PRAE, atendendo estudantes, e também na Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEPE), atendendo servidores. “A Comissão reuniria esses diferentes atores para a execução da Política Institucional de Saúde Mental”, comenta Alisson.
Rotinas
Embora a política esteja em construção, atividades voltadas à saúde mental dos estudantes estão sendo realizadas rotineiramente, tanto pela PRAE quanto pela Secretaria de Ações Afirmativas e Equidade (SECAFE), que, por meio do Departamento de Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência (DAIPCD), realiza o acolhimento, orientação e acompanhamento pedagógico de pessoas com diferentes deficiências, de acordo com o que prevê a Lei Brasileira de Inclusão.
Os ingressantes por cotas de pessoa com deficiência são contatados pelos servidores do departamento, que informam a possibilidade de auxílio em questões pedagógicas e na rotina acadêmica. Após uma conversa pedagógica, na qual são colhidas informações sobre a deficiência e a vida escolar pregressa do estudante, é preparado um Plano Educacional Individualizado (PEI), com orientações para os professores sobre as melhores maneiras de conduzir o ensino de acordo com a deficiência e com o histórico de cada pessoa. “Vamos entendendo as barreiras de cada um e construindo adaptações nesse sentido”, comenta uma servidora da SECAFE. As adaptações incluem adequações pedagógicas, mas também da estrutura física, como piso tátil, colocação de aparelhos de ar-condicionado mais silenciosos e a adequação para ambientes também mais silenciosos, por exemplo. “Buscamos estratégias para construir um ambiente que seja mais adequado para cada uma das deficiências.”
"É um processo que a educação básica já enfrentou. Agora, os estudantes que necessitam de inclusão estão chegando em maior número às universidades. E precisa ser uma construção coletiva e dialogada, com a escuta de todas as partes"
O atendimento realizado pela Secretaria inclui, além da elaboração e encaminhamento do PEI para os docentes, esclarecimentos de dúvidas sobre o atendimento ao aluno na sala de aula e orientações, caso sejam registradas queixas de estudantes. “Sempre buscamos o diálogo com o docente, nos colocamos à disposição para orientar sobre a inclusão do aluno na sala de aula porque esse processo é novo na educação superior. É um processo que a educação básica já enfrentou. Agora, os estudantes que necessitam de inclusão estão chegando em maior número às universidades. Precisa ser uma construção coletiva e dialogada, com a escuta de todas as partes.” Essa construção também envolve a família do estudante com deficiência. “Assim, vamos conseguindo manejar melhor as situações.”
Desde o ano passado, a SECAFE está construindo um protocolo específico para o acompanhamento pedagógico de estudantes com deficiência. Medicina, que é um dos cursos que mais recebem pessoas com deficiência, está sendo o primeiro a passar por essa nova metodologia, que inclui reuniões com os coordenadores de área e os estudantes. “O setor oferece o aporte pedagógico, mas quem vai atuar diretamente é o professor. A junção de nosso apoio pedagógico com o conhecimento do professor sobre o conteúdo da disciplina e das possibilidades de adaptação é que vão criando um espaço mais construtivo e mais sólido”, avalia a servidora. “Essas reuniões têm sido momentos bastante interessantes e a ideia é replicar para os demais cursos.”
O protocolo vem sendo implantado com o curso de Medicina, mas as atividades de acompanhamento atuais permanecem operantes na SECAFE, com reuniões com os colegiados e com professores, oferecendo orientações e avaliando o atendimento ao PEI. “Percebemos que os professores também têm muitas dúvidas em relação a processos de adaptação pedagógica e precisam de apoio, dessa nossa proximidade, para a criação de estratégias no dia a dia da sala de aula.” Nesse sentido, a Secretaria é rotineiramente convidada a participar de reuniões de colegiado, porque os docentes também estão identificando necessidades.
Os estudantes com condições específicas de saúde mental são encaminhados para a PRAE, setor responsável por oferecer o apoio psicológico porque não existem psicólogos lotados na SECAFE, que apenas faz atendimentos para questões que têm impacto pedagógico. A experiência com o atendimento de pessoas com transtornos mentais levou a Secretaria a não só orientar o estudante a buscar apoio psicológico, mas também a comunicar a PRAE sobre a necessidade desse atendimento, porque, muitas vezes, o estudante não vai em busca desse tipo de ajuda.
Atendimento psicológico
Rodrigo Trevizan atua há 10 anos como psicólogo na PRAE, realizando o atendimento dos estudantes que procuram ajuda profissional por iniciativa própria ou por indicação de docentes que percebem essa necessidade. A ansiedade, diz ele, é a queixa mais frequente e pode levar a diferentes cenários, como dificuldade de concentração, de organização ou de cumprimento de compromissos, dificuldade em momentos de avaliação (provas e apresentações orais), falta de iniciativa. “Damos apoio para que a pessoa consiga ficar bem e poder fazer aquilo que ela veio fazer, que é estudar”, comenta. As demandas emocionais que chegam à PRAE também são atendidas. “Pode haver uma gama enorme de situações que acabam interferindo indiretamente na vida acadêmica.”
Além dos atendimentos agendados, a PRAE, que no total conta com três psicólogos, também oferece acolhimento psicológico para os estudantes em três dias por semana. “Às vezes, a gente não consegue agendar um horário e a pessoa necessita um atendimento mais urgente. Então ficamos disponíveis para atender sem horário marcado.”
“Alguns atendimentos são únicos, mas tem alguns estudantes que precisam de continuidade”, explica. Segundo ele, em média, cada estudante passa por cinco atendimentos. “Tentamos fazer atendimentos mais pontuais porque não conseguimos atender, por tempo indefinido, todos os que precisam, porque a fila de espera começa a ficar muito grande”, explica. Os estudantes que necessitam maior tempo de terapia são orientados a buscar ajuda na rede de saúde, pública ou privada.
“Está havendo um conflito de entendimentos. A Universidade é um espaço de educação que se preocupa com as questões de saúde mental, que trabalha na prevenção, que trabalha no acolhimento, no cuidado, mas está limitada a isso porque o acompanhamento de saúde deve ser feito na rede de saúde”
Alisson Silva Ferreira
O apoio oferecido, ressalva Rodrigo, é limitado. “Precisamos contar muito com a rede pública de saúde, inclusive, porque nós temos uma equipe que pode dar apoio, mas a atenção integral à saúde quem tem que fornecer é o SUS, que tem como objetivo trabalhar a saúde da população. Porque o nosso objetivo é a educação”, pondera. “A vida não se resume ao estudo. As pessoas têm sua família, seu trabalho e outras atividades. A vida é muito mais complexa. A universidade não consegue dar conta de absolutamente tudo e esse nem deve ser o objetivo. O apoio que oferecemos é válido, com certeza contribui, mas a gente não consegue atender em sua totalidade.”
Questões relacionadas à saúde mental na universidade ganharam repercussão, principalmente nas mídias sociais, com a morte da estudante Isabelly Baldin. Ela vinha recebendo atendimento na SECAFE desde 2021, quando ingressou na UNILA. Desde 2023, era bolsista do Programa de Apoio Financeiro ao Desenvolvimento Acadêmico dos/as Estudantes com Deficiência da UNILA.
Isabelly era acompanhada pelos servidores do DAIPCD, e em todas as situações trazidas pela aluna, foram traçadas estratégias de atendimento, com orientações e respaldo para as soluções, devido ao seu quadro de saúde mental. Em alguns momentos, esses atendimentos foram diários ou semanais. O DAIPCD também mantinha contato constante com a família. Seu último atendimento foi realizado em 11 de junho, quando ela disse estar no time de handebol da Atlética de Medicina e com acompanhamento psicológico e psiquiátrico externo.
Isabelly ingressou na UNILA com laudo de deficiência intelectual – motivo de seu ingresso por cota para pessoas com deficiência. Após um período de afastamento para tratamento de saúde, ela apresentou laudos que indicavam Transtorno do Espectro Autista (TEA), com comorbidades para Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), transtorno depressivo e transtorno de humor.
Limites
Sobre a repercussão nas mídias sociais, Alisson Ferreira aponta a necessidade de que as pessoas entendam que os estudantes precisam buscar auxílio na rede de saúde. “Está havendo um conflito de entendimentos. A Universidade é um espaço de educação que se preocupa com as questões de saúde mental, que trabalha na prevenção, que trabalha no acolhimento, no cuidado, mas está limitada a isso porque o acompanhamento de saúde deve ser feito na rede de saúde”, destaca Alisson, que, durante seu tempo na PRAE, fez o atendimento a mais de dez pacientes com ideação suicida, por exemplo. “A gente faz o atendimento até que haja uma segurança, uma melhora. Mesmo sabendo dos riscos, porque o suicídio vem de multifatores – familiares, no trabalho, sociais – e dos quais a escola faz parte. Infelizmente, existem questões que ultrapassam a capacidade do profissional de amparar o indivíduo”, pondera.
Alisson lembra que a UNILA está desenvolvendo outros estudos para aperfeiçoar os mecanismos institucionais de promoção da saúde. Um deles é a Política de Esporte e Bem-Estar, que está em fase de aprovação pelo Conselho Universitário (CONSUN) e será apreciada nesta sexta-feira (27). “O incentivo à prática esportiva e a frequência nos espaços de convivência são relevantes para a saúde mental”, diz. Ele também aponta o Plano Institucional de Prevenção e Combate ao Assédio e Discriminações, que está disponível para consulta pública até 7 de julho. O Plano propõe diretrizes e ações voltadas à prevenção, acolhimento e enfrentamento de situações de assédio (moral e sexual), discriminação e outras formas de violência, com vistas à promoção de um ambiente universitário seguro, inclusivo, ético e com respeito.
Além da etapa virtual, o Grupo de Trabalho irá realizar um momento para contribuições presenciais no dia 9 de julho, às 15h, no Campus Integração (sala A-010). O objetivo da atividade é apresentar a proposta, esclarecer dúvidas e acolher sugestões de toda a comunidade.
Leia nota da Reitoria a respeito do atendimento à estudante Isabelly Baldin
