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Pesquisador de Relações Internacionais explica as causas do conflito entre Ucrânia e Rússia

Em entrevista ao ¿Qué Pasa?, Lucas Kerr faz um resgate histórico da relação entre os dois países e analisa as estratégias que os dois lados vêm adotando
publicado: 11/03/2022 18h00, última modificação: 13/07/2023 16h25

Desde o início do conflito entre as duas nações fronteiriças, com a ofensiva da Rússia à Ucrânia em 24 de fevereiro, o mundo voltou suas atenções àquela região e segue atento aos seus desdobramentos. O pesquisador da área de Relações Internacionais da UNILA, Lucas Kerr de Oliveira, trata dessa questão de disputas geopolíticas que se misturam, cada vez mais, com disputas energéticas e econômicas. Nesse episódio do ¿Qué Pasa?, ele discorre sobre a história dos dois países e também faz uma análise do crescimento progressivo das tensões e o que pode acontecer em um futuro próximo.

A região do conflito

A Ucrânia já fez parte da Rússia, como província, até a virada do século 20, e foi transformada em uma das repúblicas da extinta União Soviética, a partir da Revolução Russa. Muitos dos países recém-independentes, incluindo a Ucrânia, ainda permaneceram sob área de influência soviética após a Segunda Guerra Mundial, mas foi a partir do colapso da União Soviética, em 1991, que foi definida a desistência do enfrentamento com os Estados Unidos, em troca do compromisso de deposição de armas e acordos que previam que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) não chegaria até as fronteiras russas.

Lucas Kerr explica que, no fim dos anos 1990, a Rússia estava completamente enfraquecida, o que poderia favorecer a expansão da OTAN rumo à Europa Oriental, com a incorporação dos países bálticos que eram membros da União Soviética (como Estônia, Letônia e Lituânia). Momentos de fragilidade na região vieram à tona em anos posteriores, com a tentativa de prover governos pró-Rússia em constantes conflitos na região. “Os Estados Unidos acharam que era um bom momento para expandir a OTAN e tentaram processos para derrubar governos, movimento que ficou conhecido como 'Revoluções Coloridas', e, principalmente, [provocar] um efeito de mudança no realinhamento da política externa desses países, para que deixassem de ser pró-Rússia e se tornassem pró-Europa, pró-OTAN”, diz o docente.

Radiografia da Ucrânia

Como se houvesse uma divisão invisível na Ucrânia, os resultados das eleições no país sempre foram muito apertados, analisa o pesquisador. “Se olharmos os mapas de todas as eleições da Ucrânia, de 1990 para cá, vemos que o país é praticamente dividido ao meio. A parte ocidental, na prática, tende a partidos políticos que defendiam uma política externa de alinhamento com os Estados Unidos, enquanto a parte oriental da Ucrânia (que incluía uma grande quantidade de falantes de russo ou então bilíngues), continuava votando nos partidos pró-Rússia”, aponta ele.

Em 2013, ocorre um novo ciclo de desestabilização da Ucrânia, com a derrubada do poder pelo grupo que defendia abertamente o ingresso do país na União Europeia e na OTAN e o afastamento definitivo em relação à Rússia. “Esses grupos fizeram manifestações por muito tempo, até a derrubada do presidente eleito, em torno da manutenção de um governo que formou uma coalizão. Daí vêm as acusações russas de presença de nazistas no governo ucraniano, já que o governo eleito em 2014 fala de uma coalizão com a extrema-direita ucraniana, incluindo células neonazistas, que perseguiram russos dentro da Ucrânia e faziam manifestações e mobilizações neonazistas abertamente.”

É partir daí, aponta Lucas Kerr, que nasce o movimento classificado pela mídia ocidental como separatista. O movimento teve início, justamente, nas províncias orientais e ao sul da Ucrânia, que declararam independência em relação ao governo de Kiev. “Elas propunham a formação de repúblicas independentes, reivindicando territórios, inclusive de províncias vizinhas, que, tradicionalmente, votavam nos partidos pró-Rússia. A tentativa do grupo político vencedor em 2014 era rever acordos que permitiam à Rússia usar livremente o porto da Crimeia , às margens do Mar Negro.”

Com a operação da tomada da Crimeia, a partir de 2014, houve ataques de movimentos na Ucrânia que se autodenominavam de resistência popular e contavam com o apoio russo para a independência das províncias da região oriental da Ucrânia. “Os russos passam a apoiar, em termos logísticos, alguns desses grupos e, de lá para cá, a Rússia passou a se preparar para um conflito maior contra a Ucrânia”, aponta.

Na concepção do pesquisador, desde 2013, as tropas dos movimentos separatistas ou de resistência popular – predominantemente composta por falantes de russo – passaram a ser sistematicamente atacados por tropas ucranianas, que procuravam fazer uma limpeza étnica, expulsando russos daquela região. “Temos um ciclo de aproximadamente oitos anos de russos fugindo dessas províncias e migrando para a Rússia. O que leva o país a pressionar constantemente o governo ucraniano para que esses grupos sejam punidos”, avalia ele.

Tensões progressivas

A guerra tem características econômicas muito fortes, visto que está em jogo toda uma logística de escoamento de recursos naturais para a Europa, consolidando o redesenho de uma geopolítica de oleodutos e gasodutos da antiga União Soviética. Lucas Kerr diz que esse contexto leva a uma "guerra econômica que não se vê desde a Segunda Guerra Mundial”.

Por outro lado, a Rússia tem sofrido sanções econômicas de grande impacto e, para Kerr, o país não esperava por isso. “Parece que, para a Rússia, essas sanções tendem a acelerar a busca por uma vitória mais rápida. E aquela preocupação inicial de que a Rússia tinha de evitar o máximo possível a morte de civis começa a deixar de fazer sentido com essa quantidade de sanções, que são uma verdadeira declaração de guerra econômica. E, também, a resistência ucraniana, já que os russos não foram tão bem recebidos assim em todos os lugares na Ucrânia como eles imaginavam.”