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Guaranis da região da fronteira levam debate sobre reparação à COP 30

Lideranças indígenas foram acompanhadas pelo pesquisador Clóvis Brighenti e participaram de várias atividades em Belém
publicado: 01/12/2025 16h01, última modificação: 01/12/2025 19h11

As reparações histórias devidas aos Avá-guarani da região da Tríplice Fronteira foram uma das pautas apresentadas na Cúpula dos Povos, durante a COP 30, realizada em Belém. O docente da UNILA, Clovis Brighenti, junto com representantes da Anistia Internacional do Brasil e do Paraguai e com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), acompanhou lideranças guarani da região na defesa de seus direitos em razão da perda de suas terras quando da formação do lago da Usina de Itaipu, além de reafirmar, em um espaço internacional, que os passivos decorrentes da obra seguem abertos e exigem reconhecimento.

Conversa com a relatora da ONU Elisa Morgera

O pesquisador, que também integra Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena e tem uma longa trajetória de atuação em questões indígenas, desenvolve pesquisas e ações de extensão desde 2014, em parceria com essas instituições junto aos povos que viviam às margens do Rio Paraná, com foco central na reparação histórica. “A reparação histórica não é só uma verba indenizatória, não é uma indenização. A gente vem discutindo a reparação no sentido amplo do termo”, comenta. Esse conceito quer ampliar o tema para além da “justiça da transição”, relacionado às ditaduras militares e regimes de exceção. “Não dá para dizer que os indígenas foram afetados apenas pela ditadura militar, porque o que já ocorria com eles vem de antes desse período”, explica.

Na Cúpula dos Povos, aponta Brighenti, outros setores também discutiam as reparações. “Não se restringe a um período, mas ao não reconhecimento de direitos”, diz, citando como exemplo a defesa de reparação para mulheres negras. Sobre os indígenas, o pesquisador explica que a efetivação de políticas de reparação devem ser pensada a partir de uma lógica relacionada ao tempo da memória dos povos. “A COP 30 foi um momento de diálogo e de divulgação da situação enfrentada pelos povos indígenas paranaenses – os que viviam às margens do Rio Paraná.”

Na reparação, diz Brighenti, uma meta importante a ser alcançada, é o conceito de reconciliação. “Você não faz uma reparação para se vingar do outro. A ideia da reparação é justamente a reconciliação. Significa rever o passado, reconhecer que se cometeram crimes, que houve violações de direitos, negações históricas e a intenção de não mais fazer. A não-repetição é fundamental também.”

Para ele, participar da COP 30 foi uma grande oportunidade para o diálogo. “A gente sabia que não ia lá para fazer negociação com o governo. O espaço da mediação é outro. Na COP, nossa meta era fazer essa divulgação e o diálogo com diferentes setores. Nos mostrar, anunciar que tem passivos que não foram ainda devidamente reparados e que precisam ser reparados”, destaca. A divulgação da situação dos guarani da região também conta com uma série de publicações de artigos e livros, tanto no Brasil, quanto no Paraguai. Parte desse material também foi levado à Belém.

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As atividades foram diárias, no grande plenário da Cúpula dos Povos e nos encontros “enlaçados” como eram chamados no evento os encontros organizados por pautas comuns. “A nossa discussão e troca de experiências foram ampliadas pela participação de outros povos indígenas e também pessoas não indígenas que também reivindicam reparações”, diz, citando como exemplo, os ribeirinhos atingidos pela Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará e pela hidrelétrica de Usina Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas. Entre as atividades mais importantes ele aponta reuniões com outras organizações e a conversa com a relatora especial da ONU para o tema das mudanças climáticas, Elisa Morgera. 

O grupo aproveitou também para discutir e apresentar temas ligados à reparação pedagógica, que “é fundamentalmente, atuar não só no campo do ensino formal, mas também do conhecimento, para que se mudem conceitos”, aponta o pesquisador. “A gente ouve e lê em processos judiciais, uma ideia muito calcada no nosso conceito ocidental do pioneirismo ‘quem são os pioneiros da região?’ Pioneiros são os que chegaram primeiro. Já havia gente aqui antes do europeu. Então, significa que há um desrespeito a essa população. E isso significa que [os indígenas] não são reconhecidos como sujeitos.” Segundo ele, a reparação pedagógica “também inclui rever esses marcos históricos, rever temas de memória, poder reconhecer essas populações, desde a territorialidade, as dimensões socioculturais, as relações interétnicas de respeito, de convivência”. 

Para ele, as COPs são um movimento interessante. “Ela não dá muitos resultados, mas pior seria sem ela. A gente espera os resultados quando olha para as ações dos governos e, aí, houve uma certa frustração [nesta edição], por não conseguir avançar mais em uma questão – o clima – que, de fato, atinge todo mundo. Agora, quando a gente olha para a participação da sociedade, para mobilização e as diferentes ações que se desenvolvem, os diferentes trabalhos, é espetacular.”

Ele lembra uma das falas feitas por um jovem guarani do Paraguai a respeito do aquecimento global: “para nós, as mudanças climáticas aconteceram quando nossos territórios foram todos destruídos, não só pelo alagamento, mas também pela derrubada da floresta que veio no mesmo processo. Já aconteceu. Não é algo que vai acontecer”.

Universidade Federal Indígena é conquista histórica

Clovis Brighenti participou do lançamento da Universidade Federal Indígena (Unind), em Brasília, na quinta-feira (27). O evento deveria ter sido realizado na COP 30, mas foi transferido para a capital federal. “Foi bem emocionante. Tem toda a dimensão política de uma conquista dos povos indígenas, porque outros países da América Latina já têm universidade indígena, como a Bolívia, que tem três”, pontuou, indicando também Venezuela, Nicarágua e México.

“Esta é uma das últimas fronteiras a serem conquistadas pelos povos indígenas”, disse, mencionando fala do líder indígena, Gersem Baniwa. “De fato, a universidade não tinha sido conquistada ainda, uma universidade que abarque os saberes, as práticas dos diferentes povos e que gere novas epistemes, novos conhecimentos, novos saberes. Há uma expectativa bastante grande”, avalia. “Sem dúvidas é uma conquista histórica e também uma reparação histórica com relação aos povos indígenas.”

O projeto, construído com a realização de vários grupos de trabalho durante o ano passado, agora segue para votação no Congresso Nacional. A Universidade Federal Indígena terá sede em Brasília e irá funcionar em rede, com uma estrutura multicampi, dedicada à formação superior de povos indígenas de todas as regiões do país. A Unind terá processos seletivos próprios, respeitando a diversidade linguística e cultural, fortalecendo identidades e saberes tradicionais.

Com a oferta inicial de dez cursos e previsão de oferecer até 48 cursos de graduação, a Unind atenderá aproximadamente 2,8 mil estudantes indígenas nos primeiros quatro anos de implantação. Os cursos de graduação e de pós-graduação serão voltados às áreas de interesse dos povos indígenas, com ênfase em gestão ambiental e territorial; gestão de políticas públicas; sustentabilidade socioambiental; promoção das línguas indígenas; saúde; direito; agroecologia; engenharias e tecnologias; formação de professores; e demais áreas consideradas estratégicas para o fortalecimento da autonomia dos povos indígenas, para a atuação profissional nos territórios e para a inserção profissional indígena em diferentes setores do mercado de trabalho. (Com informações da Assessoria de Imprensa do MEC) 

 

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