Institucional
Mujica e Francia Márquez: participação popular é fundamental para a integração do continente
O ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica e a vice-presidente da Colômbia, Francia Márquez, estiveram na UNILA para falar com a comunidade acadêmica, durante a Jornada Latino-americana e Caribenha de Integração dos Povos, realizada na última semana e que teve a Universidade como uma das organizadoras.
“Vocês têm uma oportunidade maravilhosa de estar sentados aqui, em uma universidade. Há milhões de jovens que não têm essa oportunidade. Vocês são privilegiados pela vida porque estão aqui e têm tempo para cultivar sua cabeça, mas têm que pagar a sociedade, que não está aqui. Não com dinheiro, mas servindo-a para que haja menos injustiça sobre a terra”, disse Mujica, falando para um auditório lotado de estudantes, na última sexta-feira (23).
Sobre a integração da América Latina e Caribe, tema da Jornada, Mujica lembrou que os problemas mais graves da atualidade são globais e que não podem ser enfrentados pelos países individualmente. Ele lamentou a dificuldade de integração na região e usou como exemplo a pandemia de Covid-19. “Não fomos capazes de nos unir para defender a vida de nossa gente", indignou-se.
Para ele, é preciso uma série de mudanças para que a integração seja uma realidade e é fundamental o envolvimento da população de cada país. “Não é algo que está ali, na esquina. Não se pode reverter 200 anos de história num passe de mágica. Temos que gerar pequenas reforma para que o povo comece a entender e siga entendendo o que está em jogo.”
Ao final, convocou os jovens a agir, a adotar uma causa para sua vida. "Por isso, não fiquem quietos. Adotem uma causa. Tenham uma vida com sentido para quando se tornarem idosos, ao olhar no espelho, não se sintam traidores de seu melhor tempo, que é a juventude. Não deixem sua alma ser derrotada pelos interesses egoístas da época que vivemos.”
Francia Márquez destacou que é impossível pensar uma integração que não leve em conta as diferenças. “A história que conheci não é a história que hoje me faz sentir digna e orgulhosa do que sou. A história que conheci é uma história imposta por um sistema colonial, patriarcal e racista, que escravizou meus ancestrais. Uma história que me desumanizou, que me fez sentir vergonha do que sou. Como articular-me a uma luta latino-americana, ou a uma integração latino-americana que não reconhece o outro, que não reconhece a diversidade, que vê na diferença um problema e não uma virtude e uma fortaleza?", questionou.
A cultura, a gastronomia, a música movem os povos em direção a uma unidade regional, pontuou Francia. "Quem não se move são nossos líderes. Quem não se move somos nós, os governos. Não nos movemos no mesmo passo que se move o povo. E aqui está nosso grande desafio. Não é suficiente chegar e ocupar o governo, mas não ocupá-lo, acredito que também não ajuda muito", refletiu. Para ela, a esquerda precisa pensar formas de levar sua mensagem, sua agenda, a toda população. “A mensagem da ultra direita chega a todos. Acho que precisamos pensar novas narrativas e novas metodologias que permitam que nossos discursos e mensagens também cheguem."
A juventude, destaca a vice-presidente, precisa continuar buscando caminhos que permitam trabalhar, a partir da solidariedade, para a construção de uma América diferente. “Uma América que não exproprie a condição humana, que cuide do território como um espaço de vida. Uma América antirracista e antipatriarcal, onde a dignidade de todos e todas importa. Esse é um desafio que temos", apontou, lembrando que as ideias e propostas ouvidas precisam ser levadas a outras pessoas. "Porque, se ficamos entre nós mesmos, dizendo-nos aquilo que gostamos de ouvir, é bonito, mas não é suficiente. Não é suficiente se só nós acreditamos nisso. É preciso fazer com que outros milhões de pessoas acreditem neste sonho latino-americano. Um sonho que, efetivamente, aposta na paz, na dignidade e na justiça."
Jornada dos Povos
Francia Márquez e Pepe Mujica vieram a Foz do Iguaçu para participar da Jornada Latino-americana e Caribenha de Integração dos Povos, que reuniu mais de 1.500 pessoas integrantes de movimentos sindicais e populares, estudantes e líderes políticos de 26 países, para discutir os principais problemas da região. Os debates aconteceram na quinta (22) e sexta (23).
Na abertura do evento, a reitora da UNILA, Diana Araújo Pereira, lembrou da missão integradora da Universidade, formada por mais de 5 mil estudantes de 36 nacionalidades. “Nós somos uma política pública para integração regional. Existimos para fortalecer a integração latino-americana e caribenha e isso significa oxigenar o conhecimento a respeito de nós mesmos derrubando estereótipos, preconceitos, falsos determinismos para, em seu lugar, construir autonomia e sinergia entre nossas diferenças”, discursou durante a solenidade de abertura da Jornada. “A UNILA se soma a vocês no ideal de construção coletiva de conhecimentos e linguagens, de ciência e arte voltados ao fundamental objetivo de construir a cidadania regional que tanto nos faz falta. Nosso trabalho não será completo se não nos integrarmos, nós mesmos, ao movimento coletivo que emerge da nossa sociedade”, disse.
Os participantes da Jornada ouviram e foram ouvidos em diversas mesas temáticas que discutiram o avanço da extrema direita e as ameaças à democracia; a crise do capital; direitos sociais; educação; comércio justo, entre outros assuntos. O docente e vice-reitor da UNILA, Rodne de Oliveira Lima, que é mestre em Direito e atua no curso de Saúde Coletiva, compôs a mesa de discussão sobre “Ofensiva sobre os direitos sociais: precarização e destruição do trabalho e privatização da educação e da saúde”.
Nos debates, ele defendeu o reconhecimento de direitos comuns por todos os países como uma estratégia fundamental para uma integração que interessa ao povo. “Temos, entre outras tarefas, de defender o reconhecimento das garantias e direitos fundamentais para todas as pessoas”, afirmou. “Esses direitos têm que ser sustentados por uma luta contínua porque, à mínima falta de vigilância, serão reduzidos para atender o capital.” Para ele, a realização de encontros, como a própria jornada, é uma forma de resistência às tentativas de desmonte das políticas públicas de atendimento aos direitos sociais.
Esperança
Aneyka Ortiz veio do Panamá para participar da Jornada. Integrante de movimento sindical e vice-presidente do Comité de la Juventud Trabajadora de las Américas, Aneyka dividia espaço no salão principal onde estavam sendo realizadas as conferências com amigas e integrantes de diferentes delegações e países. Ela contou que seu objetivo no encontro era “mobilizar os jovens que se interessam por uma opção de sociopolítica e democracia dos povos”. Ao lado da panamenha, Nallely Dominguez, de Honduras, avaliava a Jornada como uma oportunidade para estreitar os “laços de solidariedade e unidade com os diferentes movimentos, para articular uma luta comum para ter em nossas agendas políticas”.
Também jovem e integrante de movimento sindical Merolin Abreu, da República Dominicana, era uma das mais animadas na solenidade de abertura do Jornada. Ela enfrentou um longo trajeto até chegar a Foz, mas não desanimou. “É um encontro único. Continental. E aqui vou poder conhecer outras realidades que, de nossa terra, não podemos ver. É algo que levo para meu país”, comentou. Como resultado das discussões ela esperava encontrar soluções para uma “verdadeira integração” dos povos latino-americanos. “Não podemos permitir que se apoderem de nossa terra, de nossa cultura, e de nossa gente. [Espero] que possamos sair daqui conectados e criar uma rede em nível de América Latina e mundial. Que sejamos uma voz e que a luta de um povo seja a luta de todos os povos.”
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