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Mercosul 30 anos: avaliação e perspectivas de futuro

Docentes da UNILA analisam a atuação do Mercosul e apontam possibilidades para a consolidação do bloco na busca da integração regional
publicado: 26/03/2021 08h00, última modificação: 26/03/2021 08h45

 

Era 1985, quando os presidentes José Sarney, do Brasil, e Raúl Alfonsín, da Argentina, se encontraram em Foz do Iguaçu para a inauguração da Ponte Tancredo Neves, que liga a cidade a Puerto Iguazú. Aqui, eles também assinaram a Declaração do Iguaçu, prevendo a integração entre os dois países, e deram início ao que, seis anos depois, se consolidou no Tratado de Assunção, que criava o Mercosul, agregando, além de Brasil e Argentina, também o Uruguai e o Paraguai.

Neste dia 26 de março, a criação do Mercosul completa 30 anos e, embora o bloco tenha nascido inicialmente com objetivos econômicos, ele avançou para outras áreas, que ainda seguem em fase de consolidação.

O professor de Direito da Integração no curso de Relações Internacionais e Integração, Gustavo Oliveira Vieira, lembra que a Declaração do Iguaçu, e o próprio Mercosul, puseram fim à "competição bélica" de Brasil e Argentina, à época, principalmente relacionadas a uma disputa por armas nucleares. A formação do bloco também teve a capacidade de unir países que protagonizaram um momento cruel da história da América Latina – a guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) contra o Paraguai. Muito provavelmente, o principal acúmulo comunitário – expressão muito utilizada na União Europeia – desses 30 anos de Mercosul é ter clareza de que não se considera mais, não se levam mais em consideração, para o desenho da política externa desses países, as ameaças entre vizinhos. E essa paz, que é ausência de violência direta ou do risco de uma violência direta, permite que as energias sejam gastas na construção de relações de integração e de cooperação”, analisa.

As três décadas de existência do Mercosul foram marcadas por governos nacionais de diferentes linhas de pensamento e por dificuldades econômicas e sociais diversas. Mas o bloco ainda tem fôlego suficiente para seguir avançando, segundo avaliação da cientista social e professora da UNILA Paula Fernández. “O Mercosul tem flexibilidade, tem demonstrado que se adapta também, ou tem sido adaptado, às diferentes circunstâncias e governos da região”, diz.

O futuro do Mercosul vai depender, avalia ela, de como as contradições apresentadas ao longo do tempo serão resolvidas e das mudanças políticas que possam haver na região num futuro próximo. “Infelizmente, a questão econômica é central para pensar o bloco. O futuro está relacionado com isso”.

Para Vieira, mesmo para os mais céticos, a hipótese de dissolução do Mercosul, motivo de crise em anos anteriores, não está no horizonte dos debates. Ele destaca, porém, que a consolidação do bloco deve se estabelecer de forma lenta. “Esse é um processo gradual e, talvez, o mais desejável é que seja gradual. Porque um progresso abrupto também gera riscos bastante desafiadores”, avalia.

Após 30 anos, o Mercosul poderia estar ainda mais consolidado, na visão de Paula Fernández. “Não é fácil, obviamente, constituir um bloco, mas já se passou bastante tempo. Um dos problemas do Mercosul é que, nesses 30 anos, os Estados ainda não conseguiram criar uma entidade supranacional que consiga se impor sobre os estados nacionais ou para a qual os estados nacionais consigam delegar questões”, reflete.

Uma entidade supranacional teria capacidade de se colocar acima das diferenças de pensamento dos estados nacionais para conduzir os caminhos do Mercosul, sem os riscos de mudanças após cada troca de poder nos países. “Ainda que o Parlasul esteja funcionando, há muitas limitações. E acredito que muitos dos objetivos do Mercosul – que é um espaço não somente econômico – ainda não conseguem ter sucesso por conta dessa dificuldade que têm nossos países para delegar decisões.”

Gustavo Vieira acredita que a consolidação do Mercosul também depende de outras esferas da sociedade, além dos poderes executivos de cada nação. “Isso tem de ser uma tarefa de todos os poderes e de todos os órgãos. Essa é uma agenda de todos nós, de todas as instituições e de todos os cidadãos do Mercosul. E é só com esse caminho que o Mercosul poderá se consolidar como um bloco de integração que aponta rumos para a formação de uma comunidade, efetivamente.”

Foto de Isac Nóbrega/PR cc

Um dos caminhos, apontado por ambos os pesquisadores, para que a importância da integração regional seja percebida e defendida pela sociedade é a educação. “É um espaço que precisamos manter e reforçar. Tem muitas pessoas que continuam trabalhando no bloco, que continuam pensando em fortalecer essa integração. Para isso, é fundamental o trabalho no nível educativo. Desde o ensino fundamental, trabalhar a construção e o fortalecimento dessas identidades mais regionais”, afirma Paula Fernández.

“A valorização da integração regional tem que ser uma agenda da educação, mas não só da educação superior. Tem que ser uma agenda da educação básica também, do ensino médio, do ensino fundamental”, diz Vieira. O ideal, continua o pesquisador, “é que todos tenhamos uma formação mínima sobre a integração regional no Mercosul e nos tornemos defensores e propagadores dessa construção pós-nacional que nos desafia”.

Paula Fernández aponta, ainda, outras dificuldades para a consolidação do Mercosul, como as condições socioeconômicas dos países que compõem o bloco. Segundo ela, a dependência dos países latino-americanos e as contradições que os grupos dominantes locais apresentam acabam apontando para prioridades não coletivas. “Muitas vezes é mais interessante [para esses grupos] priorizar acordos bilaterais com países de fora do bloco, ou mesmo entre os próprios países do Mercosul, do que tentar encontrar saídas conjuntas, coletivas, para fortalecer esse espaço desde diferentes perspectivas, sejam econômicas, culturais, políticas ou educativas.”

Pensar coletivamente, preterindo os interesses exclusivos do Estado nação, também esbarra nas assimetrias regionais. “Há muitas desigualdades regionais, não somente em tamanho das economias. E, dentro de cada país, há diferenças entre regiões. Essa questão é outro dos grandes problemas que nosso bloco tem”, analisa.

Essa conjugação de interesses dos diferentes países também é apontada por Vieira. “Para o Mercosul ter melhores condições de competir globalmente, precisa construir projetos partilhados. Esses projetos têm que ser multidimensionais. Da logística até a parte tributária. Tem que progredir, por exemplo, na área social, onde há grande deficit”, aponta.

A questão fronteiriça é sensível no debate da integração. E isso ficou ainda mais evidente com a pandemia. “Para marcar outra limitação de nosso bloco e também de nossos tempos, temos a falta de coordenação de políticas conjuntas para combater a Covid. Cada país está desenvolvendo – ou não desenvolvendo – sua própria política, quando seria interessante a possibilidade de pensar políticas conjuntas para desenvolver a vacina, ou mesmo para a compra coletiva de vacinas”, assinala, lembrando que Brasil e Argentina têm condições de fabricar seus próprios imunizantes. “Não há políticas coordenadas para combater a Covid e, pensando em regiões de fronteira como a nossa, essa falta é evidente. As três cidades estão relacionadas, seja pela educação, economia ou cultura, mas as fronteiras foram fechadas.”

Questões fronteiriças são um dos temas que ainda precisam ser ajustados no Mercosul, segundo Gustavo Vieira. “Será que é admissível que regiões transfronteiriças fechem as fronteiras? Será que a gente não deveria ter tido um nível de cooperação epidemiológica que permitisse o controle desta região, uma vez que vivemos [Foz do Iguaçu, Puerto Iguazú e Ciudad del Este] como uma comunidade? Temos muitos desafios na área comercial, na área social, de cooperação fronteiriça.”

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