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Ensino

Estudantes desenvolvem o primeiro foguete a propelente sólido da UNILA

Na construção do foguete, os alunos estão unindo a teoria à prática e aprendendo a importância do trabalho em equipe
publicado: 03/09/2019 19h21, última modificação: 09/09/2019 15h22

O foguete Saturno V foi lançado do Centro Espacial John F. Kennedy, na Flórida, às 13h32, de 16 de julho de 1969, para levar, pela primeira vez, o homem à Lua. Esse talvez seja o foguete mais emblemático da história. Desde então, foguetes nunca deixaram de povoar a imaginação das pessoas e de fazer parte do planejamento de governos mundo a fora. São objeto de pesquisa e para o desenvolvimento de novas tecnologias. Um grupo de 26 alunos está dedicando meses de pesquisa e trabalho para montar o primeiro foguete a propelente sólido da UNILA para também ficar na história - a de sua formação superior.

Equipe da Missão Capivara

A missão Capivara (Construção de Aparato de Pesquisa e Inovação de Veículos Aeroespaciais com Recuperação Autônoma), desenvolvida pelo Grupo de Sistemas Aeroespaciais (GSA), tem por objetivo lançar o foguete e recuperá-lo com segurança e com a carga útil íntegra. A data para isso ainda não está definida. “A gente está trabalhando muito para isso. Tudo tem de acontecer dentro dos parâmetros esperados: o foguete subir estável, abrir o sistema de recuperação, pousar em segurança e a gente achá-lo”, comenta Romildo da Cruz Marques, aluno de Engenharia Física.

A missão é uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional para os estudantes que compõem o GSA e são orientados pelos professores Oswaldo Loureda e Abraão Jesse de Souza. Eles estão em diferentes semestres e cursos – Engenharia Física, Engenharia Química e Engenharia de Materiais –, mas sabem que é somente com o esforço de todos que o projeto vai atingir o seu objetivo.

 “Acho que o principal aprendizado de todo mundo no grupo vai ser ter confiança, o trabalho em grupo – que é um desafio e tanto, e o pessoal vai treinando com a prática – e a experiência com os equipamentos e solução de problemas”, resume Romildo, que é o líder do grupo. O trabalho vai permitir aos estudantes adquirir a capacidade de projetar e construir sistemas com tecnologias críticas: motores de foguetes, sistemas de controle e telemetria, interfaces para carga útil e sistema de recuperação.

De tudo um pouco


Pessoa com capacete e maçarico soldando peça de metal

Cortar alumínio, soldar peças, buscar os materiais corretos e cálculos, muitos cálculos, estão na rotina destes jovens desde março. Tudo isso para fazer, do zero, um foguete com motor a propelente sólido, apto a alcançar 3 mil metros de altura, levando a bordo até 4 kg de carga útil.

Os estudantes dividem-se em diferentes tarefas, mas todos colocam a “mão na massa” e fazem questão de dizer que todas as equipes têm igual relevância no projeto. “Todas têm a mesma importância. Sem um, a gente não consegue nada”, enfatiza Gustavo Soares Pinto, aluno de Engenharia Física e projetista do foguete.

Uma das fases mais críticas da construção do foguete é a dos projetos de aerodinâmica e estabilidade. Um pequeno desvio numa das aletas, e o foguete pode atingir uma área não prevista e causar um grave acidente. “Além de fazer o estudo aerodinâmico do foguete, a gente é quem vai fazer as partes do foguete, aletas, ogiva”, explica Gabriele Thamires Muller, do segundo ano de Engenharia Física e que, a exemplo de outros colegas, teve de aprender a lidar com os softwares necessários para o projeto, mas também a cortar alumínio e a soldar materiais. “Tivemos de aprender a fazer as coisas na hora. Tem aluno que nunca fez soldagem, e a gente teve que aprender a soldar. Eu nunca tinha mexido muito com materiais de laboratório, corte de alumínio, tive que aprender. Fomos aprendendo e fazendo”, comenta.

Às vezes é coisa simples que na faculdade você não vê. Quando você é formado engenheiro, todo mundo imagina que você saiba mexer numa máquina de solda, mas às vezes não é assim. A faculdade, às vezes, não dá a possibilidade para usar essas ferramentas tão simples. Você acaba aprendendo uma coisa supercomplexa da Engenharia, mas não sabe usar uma máquina de solda, não sabe cortar um pedaço de alumínio, não sabe parafusar", comenta Viktor Gabriel Borba da Silva.


estudante corta um pedaço de madeira com uma serra             Duas jovens em pé, junto a uma mesa, observam um objeto cilíndrico

Jovem usa serra manual para cortar um pedaço de metal          Jovem usa uma lixa para lixar um objeto de metal cilíndrico colocado sobre uma mesa

 Os alunos de Engenharia Química estão desenvolvendo o propelente sólido que será usado no motor do foguete a partir do KNSu, à base de nitrato de potássio – usado em fertilizantes agrícolas – e açúcar. Ambos, “materiais de prateleira”, como comentam, ou seja, materiais de fácil acesso. “O nitrato de potássio tem uma potência relativamente boa para ser usado como oxidante e o açúcar, como combustível. Mas são muito básicos”, explica Igor Willis. Por isso, eles estão buscando alternativas e acreditam que podem ter chegado a uma combinação inédita para esse fim. “Vimos a dificuldade que têm outros grupos do mundo todo que fazem foguetes universitários”, completa Romildo.

Enquanto o propelente está sendo desenvolvido com materiais “de prateleira”, outras matérias-primas exigiram mais esforço do grupo. O alumínio é uma delas. Viktor lembra que, em Foz do Iguaçu, as empresas não trabalham com alumínio de diâmetros maiores. Nesse caso, a sorte também ajudou: um dos tubos de alumínio usados no foguete estava abandonado numa empresa.

Para o alto e... de volta para o chão

Encontrados em Foz ou trazidos de outros locais, todos os materiais tiveram de ser testados para verificar se as especificações são as descritas pelos fornecedores. “Como é que a gente vai confiar naquele material que o fornecedor entregou? Porque a gente vai usar no motor e, se não for [o correto], o tubo não vai suportar a pressão interna e vai explodir”, explica Romildo.

 “A gente adquire muito conhecimento: projetar um motor, fazer cálculo de propelentes; coisas que podem até ter em uma disciplina específica, mas a prática acrescenta muito" 

Igor Willis

Trazer o foguete “são e salvo” de volta para a área de lançamento também é fundamental. A preocupação justifica-se: o foguete, que tem 2,80 m e 18 kg, deve subir a uma velocidade de 1.300 km/h. Por isso, o principal trabalho do pessoal responsável pela etapa de recuperação é desenvolver um sistema de paraquedas para que o foguete possa aterrissar sem o risco de danos a pessoas e a edificações próximas ao local do lançamento. “E para preservar o próprio foguete”, salienta Oliver Godoi, aluno de Engenharia Física. A intenção é utilizar o mesmo foguete para outros projetos, sem ter de partir do zero novamente.

Para Igor Willis, a parte prática do projeto tem sido um dos principais aprendizados. “A gente adquire muito conhecimento: projetar um motor, fazer cálculo de propelentes; coisas que podem até ter em uma disciplina específica, mas a prática acrescenta muito", comenta. “E acrescenta uma grande responsabilidade”, diz Viktor.

Gabriele vê no projeto o aprendizado do trabalho em equipe. “Nenhuma equipe é mais ou menos importante do que a outra ou consegue fazer o trabalho individualmente. A aerodinâmica depende das outras equipes, como as outras dependem completamente da aerodinâmica. Eu dependo dos colegas da minha equipe, o líder do grupo depende dos outros integrantes, a gente depende muito dele. Então, aprender a trabalhar em equipe é um dos maiores aprendizados”, aponta.

   Jovem trabalha com uma peça de metal, cilíndrica, em uma máquina colocada numa bancada     Jovem usa equipamento para medir peça cilíndrica que será usada no foguete

Futuro

Concluir o foguete é uma das preocupações do GSA, mas não a única. O grupo tem um olhar para o futuro, não somente relacionado às carreiras dos estudantes, mas ao desenvolvimento de Foz do Iguaçu e da região Oeste do Paraná.

“A região tem uma grande produção agrícola, depende muito de [informação] aeroespacial: imagens de satélites, previsão meteorológica, as máquinas todas têm GPS, drones estão sendo utilizados. Depende muito dessa tecnologia, mas não há muitas empresas que fazem isso no Brasil”, descreve Romildo. “A ideia desse grupo é pegar o pessoal na universidade, capacitar para seguir na área aeroespacial. Quem sabe a gente possa ter uma indústria aeroespacial na nossa região?”, almeja. “A gente está falando de uma indústria de alto valor agregado, alta tecnologia. Pode causar um impacto muito grande na nossa região. Não é algo impossível”, aposta.