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Estruturas sociais e políticas públicas influenciam no impacto da Covid-19, diz cientista social

Victoria Darling avalia o cenário da pandemia no Brasil a partir da análise social e aponta características que interferem no enfrentamento à doença
publicado: 12/06/2020 10h30, última modificação: 12/06/2020 14h07

Para entender por que a crise do novo coronavírus afetou de maneira diferente os países da América Latina, não se pode partir somente de dados médicos e epidemiológicos imediatos – número de infectados e de mortos –, mas entender, partindo de análises sociológicas mais profundas, qual é ou qual vem sendo o comportamento social do vírus. “As características das estruturas sociais em nossos países e o tipo de políticas públicas – e a velocidade com que foram implementadas – são as duas variáveis que estão definindo o maior ou menor impacto da crise em nossos países”, analisa a docente Victoria Darling, do curso de Ciências Sociais, Sociologia e Política. Na América Latina, lembra a docente, Equador, República Dominicana, México e Brasil são os países mais afetados.

No âmbito da Ciência Política e Sociologia, explica ela, buscam-se outros tipos de correlações para a análise e outros tipos de causalidades para o cenário da pandemia de coronavírus. “Não se pode responder somente em termos médicos e epidemiológicos, temos de entender também qual é ou qual vem sendo o comportamento social do vírus. E esse comportamento social fala também de diferentes estruturas sociais.” As estruturas sociais (classes ou setores sociais), diz Victoria, têm na ocupação profissional e na escolaridade as principais variáveis.

A segunda variável que influencia na diferença de resultados dos países no enfrentamento à Covid-19 é a velocidade de implantação de políticas públicas de prevenção à pandemia. Ela aponta como exemplo Equador, México e Brasil, onde houve lentidão na implementação de políticas de prevenção, incluindo, no caso brasileiro, uma discussão muito longa a respeito do tipo de confinamento (horizontal ou vertical). “E o caso do Brasil é um dos casos mais graves”, reflete. “Não é possível pensar a prevenção de contágio sem políticas compensatórias: de salários, de subsídios para a pobreza ou de apoio para a não redução da jornada de trabalho ou para a não diminuição dos salários. São todas políticas que complementam a possibilidade de quarentena.”

Victoria Darling é a entrevistada do sexto episódio da websérie Fator Ciência, especial sobre o coronavírus, produzida pela Secretaria de Comunicação (SECOM) da UNILA. Doutora em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade Nacional Autônoma do México, atualmente é professora do curso de Ciência Política e Sociologia – Sociedade, Estado e Política na América Latina. O episódio está disponível no YouTube e em formato de podcast no Spotify.

Assista à integra da entrevista

Para ela, o fato de os setores mais pobres da população, aqueles que não têm condições de permanecer em isolamento social, estarem recebendo o maior impacto da pandemia mostra o comportamento do vírus no Brasil. “Insisto, a estrutura social define em muito esse comportamento social”, afirma. “Um dos comportamentos do vírus no Brasil, e é dos mais chamativos, é que os infectados não são da mesma faixa etária de outros países [maiores de 60 anos]. No Brasil, isso ocorre com outra conotação, e estão sendo infectadas pessoas que têm entre 38 e 60 anos”, aponta. “São os setores mais pobres, que não podem permanecer em casa porque tem que sair pra trabalhar.” Para ela, “este comportamento social está expressando a gritos a necessidade de uma política de protocolos específicos para os setores pobres, vulneráveis e os trabalhadores informais”.

Victoria destaca que a crise política instalada no Brasil está se sobrepondo com muita intensidade sobre a crise sanitária. “A crise da pandemia visibilizou uma crise que já existia (…), pôs em evidência uma crise política que se agudiza cada vez mais”, analisa. “Essas duas crises se sobrepõem, e essas duas crises, o que estão fazendo é mudar a atenção da opinião pública de uma maneira muito difícil de seguir. É difícil seguir os acontecimentos políticos e, ao mesmo tempo, receber indicações claras de prevenção da pandemia”, aponta.

Comparando os dados de infectados e vítimas da pandemia no Brasil e na Argentina, seu país de origem, Victoria diz que apesar de os dois países apresentarem o início da pandemia ao mesmo tempo, a Argentina adotou o isolamento obrigatório mais cedo e políticas econômicas mais eficazes para manter as pessoas em casa. Em números atuais, o número de mortes por milhão de habitantes é de 13 na Argentina e de 153 no Brasil. “Essa quarentena não pode ser simplesmente decretada, mas acompanhada de outras políticas para que seja efetiva. Porque não é o mesmo, insisto, para um trabalhador formal e um trabalhador informal ficar em casa. Quem recebe e quem não recebe seu salário faz toda a diferença.” No caso argentino, as medidas econômicas foram o pagamento de um auxílio para as famílias; o financiamento, pelo Estado, de 50% do salário dos trabalhadores empregados; entre outras. “Essas políticas de apoio salarial, de proibição de demissões por um prazo de 180 dias e, ainda, a política de subsídios para os setores vulnerabilizados, geraram uma possibilidade de sustentar a quarentena que persiste até o dia de hoje”, destaca.

No caso do Brasil, compara a pesquisadora, “existiu uma superposição de políticas públicas”. Ela diz que a negação da pandemia e de seu impacto, por parte do Poder Executivo, e as modificações realizadas nas indicações feitas pelo Ministério da Saúde confundiram a população. “Essa modificação o que fez foi confundir a população, a sociedade brasileira, em termos do que era necessário e o que não era necessário, o que era importante e o que não, como preservar a vida e como fazer isso”.

Esse posicionamento acabou por gerar impactos complexos nas diferentes classes sociais. “Os setores que leem mais, que têm maior acesso a meios de difusão cultural, foram capazes de entender que deviam se preservar e deviam se cuidar. E os setores menos informados, a não ser pelos meios de comunicação, os setores que têm menos acesso à leitura, menos acesso à cultura, que são menos escolarizados, entenderam que a crise iria passar rapidamente e que não teriam que fazer nada para prevenir a pandemia”, analisa.

Em sua comparação com o país vizinho, ela cita ainda a adoção do apoio emergencial e a adoção de regras que possibilitaram a redução de 25%, 50% ou 75% dos salários dos trabalhadores que não se encontravam cumprindo a jornada de trabalho. “Isso impactou fortemente a classe trabalhadora”, aponta. “Essas são as diferenças mais substanciais do impacto que estão tendo as políticas públicas nos dois países. E isso evidenciou também uma resposta diferente das sociedades”, analisa.

Ciência

Falando sobre a importância das ciências sociais na análise da pandemia, ela destacou que, para se entender a crise sanitária, é preciso também entender “as raízes, o impacto social, o vínculo que tem as relações sociais e políticas” nos diferentes países, “o 'entramado' institucional e a forma com que se resolvem ou não certos problemas”. “É uma necessidade produzir conhecimento para que as políticas públicas sejam cada vez mais precisas e tenham resultados efetivos concretos”, analisa.

Ela destaca que, nesta crise, não se deve olhar somente os números. “Estamos falando de vidas, de uma enorme quantidade que não tem precedentes em nossa história e que requer uma atenção que é, de todos os pontos de vista, multidisciplinar. Os problemas são multidisciplinares. Não existem disciplinas importantes e suficientes para explicar um fenômeno social”, diz.

Victoria acredita que este seja um momento “único na história da América Latina”, que permite avaliar a questão da desigualdade. “A desigualdade estrutural das sociedades latino-americanas traz consequências demolidoras. Em relação a isso, estamos frente a uma oportunidade única de atacar na raiz da desigualdade através de melhores políticas de emprego, de melhores políticas de renda, através de política de renda cidadã, que é lei no Brasil, de políticas de maior participação estatal em empresas, em processos ou cadeias produtivas, e também pensar o rol do Estado em termos de financiamento e expansão de melhorias do sistema público de saúde e de educação. Esta crise está expondo que o Estado se faz necessário e mais presente do que nunca. Então, frente a isso, a possibilidade de combater a desigualdade também é uma oportunidade única e exclusiva neste momento.”

A série

A websérie Fator Ciência estreou no dia 8 de maio. Por conta do período de isolamento social, o programa está em novo formato e foi gravado a distância, por meio da plataforma Zoom. Os capítulos serão divulgados sempre às sextas-feiras. Assista a todos os episódios da série no canal da UNILA no YouTube ou ouça no formato podcast no Spotify.