Pesquisa
“Critério científico é o único que indica segurança e eficácia vacinal”
O mundo inteiro aguarda o desenvolvimento de uma ou mais vacinas que sejam capazes de proteger as populações da ameaça da Covid-19. A pandemia causou uma corrida, sem precedentes, pela pesquisa e testagem de uma vacina segura e eficaz. Conforme dados da OMS, são mais de 179 pesquisas em desenvolvimento, com ao menos 44 sendo testadas em humanos e 10 na última fase de avaliação. Mas, diante de tantos estudos, qual a diferença entre as diferentes vacinas propostas? E quais delas podem ser disponibilizadas no sistema de saúde público brasileiro?
Para sanar algumas dessas questões, o Grupo de Trabalho de Projeções da Covid-19 da UNILA publicou, nesta semana, um informe que explica quais as principais candidatas à vacina no Brasil. O autor principal do documento é o professor Kelvinson Viana, docente do curso de Biotecnologia da UNILA e pesquisador em Bioengenharia para o desenvolvimento de vacinas. O informe destaca que, entre as vacinas de Covid-19 que estão em fase mais avançada, três merecem uma atenção maior, não somente pela tecnologia empregada, mas também por questões políticas que podem interferir na oferta vacinal para a população brasileira.
Leia aqui o informe Corrida das vacinas: principais candidatas à vacina para Covid-19 no Brasil
Moderna
A vacina da farmacêutica Moderna, caso seja aprovada, será a primeira vacina do mundo a utilizar a tecnologia de material genético viral (RNA). De acordo com o pesquisador Kelvinson Viana, em tempos anteriores, muito foi questionada a utilização dessa estratégia vacinal com uso de material genético, sobretudo em relação às vacinas de DNA. “No entanto, a vacina de RNA tem se demonstrado segura e segue com os testes clínicos de fase 3. Certamente, este será o maior salto tecnológico nesse aspecto que vamos obter neste momento: uma vacina composta de material genético viral, com uma plataforma mais rápida de produção, segura e eficaz”, explica.
AztraZeneca
Já a vacina da empresa AstraZeneca, desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford, tem apresentado bons resultados e, na avaliação do professor, estará disponível para os brasileiros em alguns meses. “Trata-se de outra tecnologia, o uso dos chamados vetores virais. São vírus que não são capazes de gerar doença nas pessoas, mas que carregam em seu interior a informação genética para que uma proteína do Sars-CoV-2 seja produzida pelo próprio organismo humano. Na prática, nosso corpo é a própria fábrica de produção do estímulo que irá nos proteger do novo coronavírus”, salientou Kelvinson Viana.
Recentemente foi tornada pública a informação de que um voluntário dos testes clínicos da fase 3 dessa vacina foi a óbito. No entanto, tratava-se de um voluntário que recebeu placebo, ou seja, que não recebeu a vacina proposta para Covid-19. “Em testes clínicos aleatórios e cegos, nem quem aplica nem quem recebe sabe o que está tomando, se é vacina ou placebo, e isto é importante para não tornar o estudo tendencioso”, completou.
Ainda em relação às vacinas de vetor viral, está sendo desenvolvida a Sputnik V, com proposta semelhante à da AstraZeneca. Embora o governo paranaense tenha demonstrado interesse em obtê-la, ainda não há informações publicadas acerca de resultados dos testes clínicos da fase 3.
Sinovac
A vacina do laboratório Sinovac também segue na fase 3 e é uma das que estão entre os estudos mais adiantados. Kelvinson Viana afirma que é provável que seja a primeira vacina a ser licenciada no Brasil. “Essa vacina possui uma tecnologia muito, muito antiga, que emprega em sua formulação vírus inativado, ou seja, o vírus é degradado com um agente químico e se torna incapaz de gerar a doença em quem a toma. É uma estratégia biotecnológica muito segura”, destacou. O pesquisador lembra, ainda, que o calendário de imunização nacional já conta com outras vacinas produzidas a partir de vírus inativado, como as vacinas da Poliomielite Injetável (VIP), gripe e hepatite A.
A Sinovac tem ainda uma proposta de transferência de tecnologia da vacina para o Instituto Butantan. Sendo assim, a vacina será produzida aqui no Brasil por um órgão público que é referência mundial em produção de vacinas.
E a segurança?
Independentemente dos resultados e de qual vacina seja adquirida pelos estados brasileiros e pelo SUS, Kelvinson Viana defende que as questões ideológicas devem ser banidas das tratativas. “O critério científico deve ser o único e definitivo que indique a real segurança e eficácia vacinal”, explica.
É importante ressaltar que a vacina mais rápida a chegar ao mercado levou em torno de quatro anos de estudos e experimentação. Mas Viana acredita que as vacinas contra Covid-19 baterão recordes devido à urgência sanitária da doença e à situação de retração econômica que veio junto com a pandemia. “Isso é um fator considerável para que as agências regulatórias flexibilizem os licenciamentos de uso emergencial dessas vacinas, mas dentro de análises criteriosas de segurança vacinal. Vejam, segurança vacinal é diferente de eficácia vacinal. Esta última nós só saberemos com um mínimo de um ano de testes clínicos de fase 3, mas a segurança é conhecida em menos tempo, e todas as candidatas que estão mais à frente desta corrida têm demonstrado boa segurança”, aponta o pesquisador.