Pesquisa
Pesquisadora fala sobre os desafios da saúde na fronteira
As diferenças nos sistemas públicos de saúde dos países da Tríplice Fronteira trazem a Foz do Iguaçu muitos moradores das cidades vizinhas em busca de cuidados. O cenário não é novo e é um desafio constante para as administrações municipais. Como é feito o atendimento de saúde a estrangeiros? Como essa questão é tratada pela legislação? Quais os principais desafios e avanços? Para discutir o tema, o ¿Qué Pasa? conversou com a docente do curso de Serviço Social, Maria Geusina da Silva, que tem como área de pesquisa a saúde em municípios de fronteira.
“Os problemas em relação ao atendimento aos não nacionais é um problema premente e permanente”, diz Maria Geusina da Silva. Esses problemas nascem na falta de recursos destinados à rede pública de saúde de Foz do Iguaçu. “O município não tem negado o atendimento, mas tem capacidade de recursos financeiros finita e não [teria] como atender a todos, mas atende. E muito. É, sim, necessário empenho do governo federal para aumentar os recursos financeiros, principalmente, para o custeio da atenção primária e assistência especializada.”
Hoje, os serviços de atenção primária (consultas) são oferecidos a todos, brasileiros ou não, mas no caso da assistência especializada (exames, cirurgias), lembra a docente, imigrantes e mesmo brasileiros que residam no Paraguai precisam ter documentação civil – CPF, RG e Cartão do Sistema Único de Saúde (SUS). “Porque o repasse financeiro do custeio dessas ações e serviços é feito per capita. Esse cidadão precisa existir no Brasil e nele residir. É a forma que o sistema de saúde, no tocante à questão financeira, entende o custeio e financiamento das ações e serviços de saúde”, diz.
A procura da rede pública de saúde brasileira por paraguaios está relacionada às dificuldades encontradas por eles em seu país. “A Constituição paraguaia tem os mesmos princípios doutrinários que a do Brasil: a universalidade do acesso à saúde, a integralidade dos serviços (atenção primária, secundária e terciária) e a participação da comunidade na formulação e gestão do sistema de saúde”, pontua. “No entanto, não é assim que acontece”, ressalva, explicando que o sistema de saúde do Paraguai é centralizado e que os poucos serviços oferecidos de forma descentralizada são prestados, em sua maioria, por organizações não governamentais. “Com essa dificuldade de acesso à atenção primária muitos brasileiros e estrangeiros [residentes] no [Paraguai] acabam procurando o Brasil.”
Além dos atendimentos primários, os estrangeiros também têm direito aos de emergência. “A estratégia que esses não nacionais utilizam para poder acessar os serviços de saúde é deixar o seu problema se agravar. Na emergência, ele tem a certeza de que vai ser atendido e poder fazer seu exame”, comenta.
Muitos pacientes não conseguem dar continuidade aos tratamentos iniciados no primeiro atendimento, uma questão que preocupa. “São essas questões que temos problematizado e refletido”, afirma, explicando que a assistência especializada tem alto custo para o município. “Se atender, o município é que paga. O repasse é per capita e essas pessoas não contam no censo demográfico. Acaba onerando o município e é por isso que os avanços vão muito lentamente sendo constituídos porque envolvem, a priori, a questão orçamentária.”
Pandemia
No período de pandemia, houve uma intensificação no atendimento de emergência, especialmente no Hospital Municipal e na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), explica Maria Geusina. “Pessoas passavam de madrugada pelo rio e vinham em busca de atendimento e da vacina, tratamento etc. Nesse período, com o fechamento da ponte, a gente viu um acréscimo desse público por essas vias, que a gente entende como estratégia de sobrevivência já que o Paraguai demorou um pouco para receber as vacinas”, avalia.
A abertura da Ponte da Amizade com a liberação do trânsito transfronteiriço, no entanto, não sobrecarregou o sistema brasileiro. “É curioso porque o que a gente imaginou é que, com a abertura da ponte, com essa dificuldade [de acesso à saúde] e a intensificação da vacinação em Foz do Iguaçu, aumentaria a demanda. Aumentou, mas não da forma significativa como se imaginou que iria ser.”
Para a pesquisadora, Foz do Iguaçu inovou no atendimento ao imigrante com o Protocolo de Assistência a Migrantes em Situação de Vulnerabilidade, elaborado pela prefeitura em parceria com diferentes agências da Organização das Nações Unidas (ONU), como a Organização Internacional para as Migrações (OIM). O protocolo prevê assistência à saúde, social e de educação. “Foz do Iguaçu tem [esse documento] como parâmetro balizador de atendimento ao migrante.”
O protocolo vem sendo aplicado de 2018 e a principal dificuldade identificada pelos serviços de assistência é a falta de documentação, que permite o acesso aos serviços, mas também questões culturais como a falta de compreensão da língua e as diferenças na alimentação e que podem se refletir na saúde do migrante. “Os avanços vão muito lentamente sendo constituídos porque envolvem, a priori, a questão orçamentária, de recurso financeiro.”