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Pesquisadora debate a influência africana na arquitetura brasileira

No programa ¿Qué Pasa?, Andréia Moassab fala a respeito do livro sobre arquitetura africana e acerca de questões de políticas públicas da área relacionadas à região de fronteira
publicado: 12/06/2023 14h50, última modificação: 12/06/2023 18h37

A Arquitetura é uma área, muitas vezes, marcada por glamour da profissão e por projetos estéticos ousados e cercados de altas tecnologias. Mas também tem um lado muito humano e que envolve técnicas seculares desenvolvidas por várias civilizações, resultado de vivências que muitas delas não estão necessariamente atreladas ao conhecimento ocidental que domina a maioria dos atuais modelos de construções. Técnicas como cantaria (construção com pedras), pau a pique e taipa de pilão, por exemplo, são de influências do continente africano, que trouxe ao Brasil também outras formas de habitar, como o costume de construir cozinhas separadas do restante da casa.

Esse é o tema de pesquisa da arquiteta e docente da UNILA Andréia Moassab, que explica que a arquitetura africana não se restringe a técnicas milenares, mas a formas contemporâneas de construir. Ela e a pesquisadora da Columbia University Patrícia Anahory publicaram o livro Panorama da Arquitetura Habitacional em Cabo Verde, lançado no final do ano passado. A edição pode ser baixada gratuitamente na página do Maloca – Grupo de Estudos Multidisciplinares em Urbanismos e Arquiteturas do Sul.

Para a pesquisadora, este é um trabalho inédito e urgente em língua portuguesa, resultado de mais de 10 anos de pesquisa. Ela define a obra como significativa para a arquitetura de um modo geral, devido ao método inovador que propõem, e para as pessoas interessadas em debater arquitetura africana longe dos estereótipos do eurocentrismo tão comum nessa área. “Entendemos que a importância de um estudo desta natureza é investigar os hábitos de morar da população, com o objetivo de conhecer como estão definidos os espaços de sociabilidade e de privacidade da moradia e suas relações de vizinhança, nas várias configurações e contextos do país arquipelágico, situado na costa ocidental africana”, explica.

Nesse episódio do ¿Qué pasa?, Andréia Moassab afirma que são poucos os cursos no Brasil que debatem a contribuição da África para a Arquitetura e, neste sentido, a UNILA é pioneira. Ela lembra que é principalmente nas cidades pequenas onde se vê as funções domésticas sendo feitas nos espaços fora da casa, questão que tem influência tanto dos indígenas quanto dos africanos. E reforça que estes últimos são considerados exímios mineradores e trouxeram o saber de técnicas construtivas de arquitetura com terra, que foi adicionado ao saber dos indígenas, que construíam com madeira e folhagens.

Dessa forma, é possível falar de uma arquitetura barata, que garante economia construtiva. A terra a gente tem em todo lugar, não depende de produtos industrializados, é sustentável, já que o descarte desse tipo de material vira terra de novo, podendo voltar para a natureza. É diferente do concreto armado, que tem um descarte muito complicado em termos inclusive de ocupar os lixões, aterros sanitários”, pontua.

Todo o Brasil sabe construir com terra, que é uma mescla do continente africano com uma pequena influência portuguesa e também indígena”, reforçando que falar da arquitetura africana não se resume a identificar um ou outro detalhe para não se reduzir todo o conjunto de saberes a uma questão estética. “Mais importante do que identificar a arquitetura africana a partir de determinados elementos, é identificar o que vem da África como hábito de construir”, lembrando ela que os primeiros arquitetos formais do Brasil são contemporâneos aos primeiros arquitetos formais do continente africano.

Questões na fronteira

Na região da Tríplice Fronteira, ela também conta que estudos foram realizados nas comunidades ribeirinhas nas cidades com a população que vive nas margens dos rios Iguaçu e Paraná e que trazem a perspectiva de que não são essas comunidades que causam danos ambientais aos rios, mas que, ao contrário, essa população se caracteriza como agente de preservação ambiental. “As legislações feitas nos grandes centros urbanos trazem que é preciso preservar os corpos d’águas e os rios de qualquer presença humana. São legislações nacionais que muitas vezes quando aplicada a uma realidade como a de Foz do Iguaçu, acaba expulsando essas populações das margens dos rios. Na verdade, enquanto essas comunidades estão está ali, completamente orgânica, a especulação mobiliária não avança”.

Andréia Moassab explica que quando se expulsa a população ribeirinha do seu lugar para dar espaço a projetos como o Beira Rio, devia-se observar o aprendizado dessas comunidades com a natureza e com a sua arquitetura, que vai se construindo em volta das árvores, preservando espaço para a formação de hortas e de plantas medicinais. “Muitas vezes a solução que o Estado dá é tirar elas dali, mas devia garantir que elas permaneçam ali em boas condições, para continuarem a fazer seus trabalhos de preservação da natureza, mas com condições dignas para que isso aconteça, com acesso à água, energia elétrica, com recolhimento do lixo, com alguma infraestrutura para melhoria das condições de habitabilidade da própria casa. Nosso trabalho é tensionar as políticas públicas mas também orientar o próprio poder público que dá para fazer diferente”, diz.

Ela também reforça sobre a questão da uniformização de soluções dadas pelo poder público a um determinado tema, como a retirada de moradores de seus espaços para projetos de habitações padrões, sem levar em conta as singularidades das questões envolvidas. E lembra o caso do projeto de construção de uma escola em Vila Yolanda, nas imediações da Praça das Aroeiras, no qual ela defende que é possível ter a praça e ter a escola, de forma a manter as árvores em pé. "A Prefeitura precisa aprender a licitar obras com outros materiais. Pela dimensão das escolas do fundamental I do município, elas são pequenas. Seria uma ótima experiência fazer uma escola com arquitetura de terra ali na praça, manter a praça, teria uma maior sustentabilidade em termos de materiais. A comunidade escolar poderia fazer o debate sobre sustentabilidade na arquitetura, mas tudo isso é um caminho a ser construído", analisa

E ela afirma que a universidade pública, nessa disputa, tem que tomar o lado da população e orientar o poder público a fazer melhor, considerando que esse é o papel da UNILA. O curso de Arquitetura e Urbanismo é estruturado por alguns laboratórios, entre eles o de Modelo em Arquitetura e Urbanismo, se constituindo num espaço de prestação de serviços técnicos à comunidade. Moassab conta, também, que a ideia é que a Universidade ofereça uma espécie de residência a alunos egressos para qualificar e preparar os novos profissionais para uma atuação pública e comunitária. Conheça esse e outros temas acessando o episódio na íntegra.