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Pesquisador analisa a bateria como solista no Concerto Carioca nº2, de Radamés Gnattali

Em episódio da série ¿Qué Pasa?, Lucas Casacio também conta como foi a descoberta dos manuscritos inéditos dos Concertos Cariocas
publicado: 24/09/2021 16h47, última modificação: 24/09/2021 16h48

Radamés Gnattali compôs o Concerto Carioca nº 2, em 1964, conferindo à bateria, pela primeira vez, status de solista de uma orquestra. A obra ficou esquecida até ser descoberta por um grupo de músicos. Após um longo trabalho, o concerto ganhou seu primeiro registro oficial com a interpretação da Orquestra Sinfônica de Campinas. Essa história quem conta é Lucas Casacio, baterista e docente do curso de Música, no episódio da série ¿Qué pasa?, produzida pela Secretaria de Comunicação (SECOM) e disponível na íntegra no canal da UNILA no YouTube.

O grupo que resgatou as partituras de Radamés Gnattali é o 4 a 0, que tem Lucas como integrante. Composto por guitarra elétrica, contrabaixo elétrico, bateria e piano, o quarteto surgiu com uma proposta de fazer choro, uma “música que não pertence ao universo desses instrumentos”. Na busca de referências, os integrantes do grupo identificaram o trabalho de Radamés Gnattali, maestro e arranjador, um dos nomes importantes da música brasileira e latino-americana.

Mais que inspiração para sua música, o grupo se deparou com a descoberta dos manuscritos dos Concertos Cariocas nº 1 – que teve uma primeira gravação em 1965 – e os de nº 2 e nº 3, ainda inéditos na discografia oficial. O Concerto Carioca nº 3 foi objeto da dissertação de mestrado de Eduardo Lobo, também do 4 a 0, e o Concerto Carioca nº 2 foi escolhido por Lucas para sua tese de doutorado – um estudo interpretativo da obra, tendo como ponto central a performance da bateria. Esse concerto apresentou, pela primeira vez na história da música brasileira, a bateria entre os solistas de uma orquestra sinfônica.

O Concerto Carioca nº 3, composto para um sexteto solista (dois pianos, acordeão, guitarra, contrabaixo e bateria) e orquestra, foi o primeiro a ser estudado. “Não é tão comum encontrar um grupo grande de música popular como solista de Orquestra Sinfônica”, comenta o docente. “Através do trabalho do Eduardo foi possível apresentar esse concerto pela primeira vez com a Orquestra Sinfônica de Campinas.”

Na sequência, houve a proposta, por parte da Orquestra, para a gravação dos três Concertos Cariocas. “Para ser possível a gravação desse repertório, nós [tivemos de] fazer um trabalho musicológico: preparar as partituras desse material, estudar, revisar, entender, contextualizar todo o trabalho”, conta Lucas. A gravação e o trabalho realizado possibilitaram que ele se apresentasse com diferentes orquestras, como a Filarmônica de Montevidéu, a Sinfônica de Jerusalém e a Orquestra da Universidade de São Paulo.

A bateria como protagonista

Criada com as bandas de jazz dos Estados Unidos, no final do século 19, a bateria chega ao Brasil com “nome e sobrenome”: bateria americana ou bateria de jazz. “Vem desse universo e passa a ser tocada em outros gêneros. A inserção da bateria já chega com algum atrito. Ela vem com uma carga de modernidade para aquela música mais tradicional, o samba urbano, que está começando a ser consolidado.”

Na década de 1960, Radamés Gnatalli inova ao incluir a bateria no universo da música erudita. O Concerto Carioca nº 2 foi escrito originalmente para trio solista de piano, bateria e contrabaixo e orquestra sinfônica, a pedido do baterista Hélcio Milito, integrante do Tamba Trio. “Um concerto importante na história da música brasileira na década de 1960”, diz Lucas. “Até onde eu pude investigar, esse talvez seja o primeiro concerto escrito e dedicado a um baterista nesse universo de música sinfônica. O primeiro concerto a apresentar a bateria em um conceito solista dentro de uma orquestra sinfônica”, completa, exemplificando que a função de solista é concedida, normalmente, a instrumentos tradicionais como o violino, piano, violoncelo, contrabaixo. “Quando Radamés propõe esse concerto com contrabaixo, bateria e piano, olhando, hoje, de longe, é uma atitude muito contemporânea porque o que estava na moda na música urbana, naquela época, na música instrumental do Brasil, eram os chamados trios de samba-jazz.”

Para ele, a resistência na inserção de instrumentos populares na música clássica está relacionada, entre outros motivos, ao fato de haver uma tradição secular na estética musical e na utilização de instrumentos como o violino e o piano, por exemplo. “É um processo já consolidado. Além da tradição, passa também pelo desconhecimento de outras músicas e desconhecimento em vários níveis, até o de não se querer saber”, analisa, ressalvando que “não tem uma resposta clara” sobre a questão.

Sobre a possibilidade de instrumentos latino-americanos ganharem destaque, como ocorreu com a bateria nos concertos de Radamés Gnattali, o docente lembra que há vários repertórios para instrumentos não tradicionais. “A tradição vai se reinventando. Um exemplo é a marimba, um instrumento de percussão que não é oriundo desse universo de concerto e que, com o desenvolver técnico do instrumento e o preparo dos músicos, hoje faz parte do repertório”, pontua.

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