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Negociação do Anexo C do Tratado de Itaipu deve ser pautada no desenvolvimento, diz pesquisador

Para Anibal Orue Pozzo, além da questão financeira, o que está em jogo é a soberania dos países
publicado: 02/01/2023 08h00, última modificação: 13/07/2023 16h37

Em 2023, as dívidas resultantes da construção da Usina de Itaipu estarão pagas. Isso significa um acréscimo de cerca de 2 bilhões de dólares à receita da hidrelétrica. Brasil e Paraguai, sócios no empreendimento, têm como tarefa, no próximo ano, renegociar as bases financeiras dispostas no Anexo C do Tratado de Itaipu, passados 50 anos da sua entrada em vigor. Um dos principais pontos diz respeito à cessão da energia não utilizada.

Para Anibal Orue Pozzo, pesquisador e coordenador do curso de especialização Integração Paraguai-Brasil: Relações Bilaterais, Desenvolvimento e Fronteira, a discussão vai muito além da questão financeira. “O que está em jogo é a questão da soberania de ambos os países e principalmente a do Paraguai”, pontua.

Segundo o docente, embora os direitos das partes sejam iguais, os países são desiguais e é preciso encarar essa assimetria. “O Brasil é um país continental e o Paraguai um país pequeno, menor, inclusive, que o estado do Paraná. Existem relações assimétricas entre os dois países”, afirma, citando também diferenças em relação ao tamanho de população e industrialização. No campo das Relações Internacionais, diz, é preciso pensar em “como superar essas relações assimétricas”.

Para ele, o resultado financeiro das negociações deve refletir na qualidade de vida da população. “A usina deve beneficiar o povo de ambos os países, não somente os governos, as elites [grandes indústrias]”, diz. Partindo-se do pressuposto de que os recursos devam ser aplicados para o desenvolvimento dos países, a questão a impor-se aos governos é estabelecer o modelo para esse desenvolvimento, aponta Pozzo. “Vamos ter um desenvolvimento limpo, um desenvolvimento centrado na produção agroecológica, familiar, ou industrial? Tudo isso está em discussão”, completa.

Infraestrutura

No caso paraguaio, sugere o pesquisador, os recursos deveriam ser investidos em infraestrutura, principalmente, porque o país não dispõe de uma rede de transmissão interna para distribuir a energia hoje produzida em Itaipu para todo o país. A única linha disponível liga Hernandarias a Assunção.

O principal ponto nas discussões, avalia o pesquisador, é a livre disponibilidade da energia produzida e não aproveitada pelo Paraguai. Hoje, há uma imposição contratual na cessão ao Brasil da energia não utilizada, impedindo o Paraguai de vender esse excedente a outros parceiros. Com a venda da energia ao Brasil, o Paraguai recebe cerca de 360 milhões de dólares por ano. 

A crítica está nos valores pagos pelo Brasil por essa energia. Hoje, segundo o docente, o custo do KW/h no mercado internacional é de 220 dólares e o Paraguai recebe 44 dólares. “Aí já vemos uma assimetria nessas relações e são questões financeiras. Isso é o que tem de ser discutido duramente nas negociações sobre o Anexo C.” Anualmente, isso significa 360 milhões de dólares para o país vizinho, diz ele, mas, em valores do mercado, chegaria a quase 3 bilhões de dólares. Com os valores recebidos hoje, segundo o professor, o governo paraguaio conseguiu melhorar a área da educação, com a criação de agência de fomento à pesquisa, apoio a cursos de pós-graduação e a pesquisadores. “Isso possibilitou que o dinheiro fosse usado para o benefício do Paraguai, imagina com quase 3 bilhões de dólares por ano”, pontua.

O Brasil, na opinião do pesquisador, está preparado para suprir a energia sobressalente hoje adquirida do Paraguai, caso o país opte por outro caminho. “É mais uma questão de decisão política do país”, analisa. “Por isso, insisto, os processos de integração são fundamentais.” Na avaliação de Pozzo, a discussão não deve restringir-se a questões técnicas, mas ser estendida a toda a sociedade. “É política, é geopolítica, é questão a ser discutida também com os vizinhos, Argentina, Bolívia, Uruguai que também precisam de energia para seus processos de integração. Estabelecer um tecido, uma malha para que essa energia seja distribuída a todos os países quando houver necessidade, que seja uma alavanca para impulsionar o desenvolvimento regional.”

Veja a análise completa feita pelo pesquisador sobre as negociações do Anexo C do Tratado de Itaipu na entrevista disponível no canal da UNILA no YouTube.