Vida Universitária
Mobilidade internacional fortalece formação e pesquisa no PPGIELA
Pesquisas de campo, aulas de dança e estágio docente fizeram parte das atividades do intercâmbio de Luiza Ritz no México (Foto: Arquivo pessoal)
Em uma universidade voltada à integração latino-americana, a internacionalização acadêmica não é apenas desejável, é parte do seu projeto formativo. No Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos Latino-Americanos (PPGIELA), da UNILA, as experiências de intercâmbio vêm sendo cada vez mais incentivadas e reconhecidas como parte importante do percurso de formação de mestres e mestras comprometidos e comprometidas com uma visão crítica, plural e transnacional da América Latina.
Cursar disciplinas em outro idioma, acessar arquivos e bibliotecas internacionais, dialogar com docentes e pesquisadores de diferentes países são vivências que, segundo o coordenador do Programa, professor Marcos de Jesus Oliveira, têm se mostrado um diferencial no desenvolvimento acadêmico dos estudantes. “A experiência internacional cria condições para que os estudantes do PPGIELA entrem em contato com novas perspectivas teóricas, metodologias de pesquisa e redes de colaboração”, afirma. Esses elementos, segundo ele, contribuem diretamente para o amadurecimento intelectual, o aprofundamento das pesquisas e o desenvolvimento de competências interculturais e linguísticas.

A proposta do Programa está diretamente alinhada à missão institucional da UNILA, de promover a integração latino-americana por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, com foco no desenvolvimento regional e no intercâmbio cultural, científico e educacional na América Latina. Entre as ações concretas que reforçam essa perspectiva, estão o estímulo à coorientação com docentes de universidades estrangeiras, a participação em redes de pesquisa internacionais e a validação de créditos cursados fora do Brasil, conforme as normas do Programa.
A vivência internacional também tem impactos concretos sobre os projetos de pesquisa desenvolvidos pelos discentes. “A imersão no exterior agrega, ao menos, três dimensões: acesso a metodologias inovadoras, contato com debates teóricos diversos e uma visão crítica pelo contato com a diversidade cultural”, aponta Marcos de Jesus. Mesmo em intercâmbios de curta duração, os efeitos são visíveis: “Observamos a incorporação de novas referências bibliográficas às dissertações e um salto importante na autonomia intelectual dos estudantes”, complementa.
Atualmente, o PPGIELA integra, junto a outros programas de pós-graduação, a construção de uma proposta interinstitucional com o objetivo de ampliar as oportunidades de mobilidade acadêmica que envolvam tanto estudantes quanto docentes. “Se formos bem-sucedidos nessa articulação, teremos novidades promissoras para 2026 na área de intercâmbio”, antecipa.
Pesquisa e vivências no sul do México

A estudante Luiza Ritz escolheu o México como destino de intercâmbio por motivos que vão além da academia: ela queria vivenciar epistemologias indígenas vivas. No segundo semestre de 2023, ela participou de uma experiência de mobilidade na Universidad Autónoma del Estado de Quintana Roo (UQROO), no âmbito do mestrado em Antropologia Aplicada, com passagem pelos campi de Chetumal-Bahía e Felipe Carillo Puerto.
“A UQROO me atraiu por sua abordagem prática, voltada para contextos locais, e por estar inserida em territórios Maya Cruzo’ob, onde certas lógicas cosmológicas já existiam, ainda que de forma embrionária, nas perguntas da minha pesquisa”, conta. Com o suporte da Seção de Mobilidade Acadêmica da PROINT e da orientação compartilhada entre Brasil e México, Luiza foi tecendo seu roteiro de pesquisa a partir do encontro com o território. “Antes de partir, meu orientador me disse: ‘siga seu coração’, que acabou tornando-se o fio condutor de uma travessia profundamente formativa. Inclusive, um dos autores que utilizo, Patrício Guerrero, fala sobre a necessidade de corazonar, ou seja, vincular o coração com a razão. O fluxo foi ganhando forma no caminho”, disse.
Sua pesquisa de campo aconteceu, sobretudo, em Chetumal e Felipe Carillo Puerto. Lá, entrevistou professores, estudantes e curandeiros maias, com quem também vivenciou rituais e aprendizados diretos. O objetivo era compreender de que forma culturas como a Maya Cruzo’ob e a Yorubá — presente no Candomblé, foco original da pesquisa de Luiza — concebem o corpo como morada da ancestralidade e extensão do território, dissolvendo a rigidez das separações modernas entre natureza e cultura, sagrado e cotidiano, sujeito e objeto.
A experiência permitiu que Luiza observasse, na prática, como essas epistemologias rompem com a lógica ocidental da dualidade e inspiram outras formas de existência mais éticas, afetivas e sustentáveis. “Nas duas culturas, pude perceber como os considerados ‘objetos’ — passivos, acessórios, coisificados, utilitários ou funcionalistas — possuem vivacidade, ânimo, também são sujeitos e agentes como nós. Essa outra ótica desloca o foco do antropocentrismo, e percebemos que a forma respeitosa com que se relacionam com os ‘objetos’ ou ‘não humanos’ condiz com a forma cotidiana de interdependência com a natureza”, explica.
Durante sua estadia, ela também participou de atividades acadêmicas e culturais, como o estágio de docência no campus de Felipe Carillo Puerto, além de aulas de dança folclórica e bailes caribenhos. Em Campeche, visitou a cidade de Pomuch durante o Hanal Pixán — celebração maia do Dia dos Mortos — conhecendo rituais ligados à vida, à morte e à ancestralidade. A vivência impactou não apenas sua pesquisa, mas também sua forma de estar no mundo. “Mais do que uma experiência acadêmica, a mobilidade foi um rito de passagem que me transformou como pesquisadora e como pessoa. Fiz amizades, aprofundei afetos, deixei e trouxe memórias. Pude experienciar uma chispa da alegria pulsante em algumas regiões que visitei, e quero muito voltar para aprofundar minhas experiências ali”, afirma.
Arte e resistência em Nova York

Em 2024, a artista multidisciplinar e pesquisadora Eliana del Rosario participou do programa Threatened Dominican Scholars Fellowship, no Instituto de Estudos Dominicanos da City University of New York (CUNY-DSI). A estudante do PPGIELA ganhou uma bolsa da Fundação Mellon como reconhecimento por sua atuação como artivista, cineasta e defensora dos direitos humanos. Em sua trajetória, ela tem enfrentado ameaças em razão do trabalho artístico, político e social que desenvolve no enfrentamento do racismo na República Dominicana. “Minha obra tem se centrado em visibilizar as histórias das comunidades afrodescendentes e quilombolas, questionando as narrativas oficiais e promovendo uma representação mais justa e diversa no cinema e na fotografia”, contou.
Além de cursar duas disciplinas, durante o período de mobilidade a estudante desenvolveu um levantamento nos arquivos do Instituto de Estudos Dominicanos, investigando a histórica sub-representação das mulheres negras no cinema da República Dominicana. A pesquisa integra um capítulo de sua dissertação de mestrado, defendida em julho de 2025, que abordou como a imagem dos corpos negros é construída nas telas e como essa representação se relaciona com as estruturas de poder.
Eliana também teve a oportunidade de participar de eventos culturais de relevância internacional. No festival Nou Akoma Nou Sinèrji Haitian Dominican Transnational Film Festival, ela exibiu o curta-metragem Esqueleto de Hierro e a exposição fotográfica Hay un rostro negro en el mundo, obras que discutem a diáspora africana e as narrativas transnacionais no cinema. Também participou do Join UT's Mellon High Impact Scholars Cafecito Breakfast, encontro que reuniu acadêmicos e artistas exilados nos Estados Unidos.
De acordo com Eliana, a experiência consolidou ainda seu compromisso com a memória, a resistência e a visibilidade dos corpos racializados no cinema e na fotografia. “Foi uma oportunidade que reafirma a importância de continuar gerando espaços de representação e denúncia por meio da arte e da pesquisa. Também confirma a importância de seguir criando espaços que permitam visibilizar e denunciar, através da arte e da investigação, as realidades e lutas das comunidades historicamente marginalizadas”, disse. O intercâmbio também foi decisivo para fortalecer seu percurso acadêmico e artístico, além de abrir portas para futuras publicações em revistas científicas e eventos acadêmicos internacionais.
Um olhar latino-americano na Hungria

A estudante Guadalupe Anaya viveu, em 2024, uma experiência acadêmica única ao participar de um intercâmbio na Universidade Eötvös Loránd (ELTE), em Budapeste, Hungria, por meio do projeto Erasmus+ da Comunidade Europeia. Durante a estadia, além de cursar disciplinas e realizar pesquisas em arquivos históricos, Guadalupe explorou conexões entre a Europa e a América Latina.
A oportunidade surgiu de forma inesperada. "Nunca tinha considerado um intercâmbio como possibilidade, já que o tempo da pós-graduação é curto e, para mim, só vir para Foz do Iguaçu já foi um grande deslocamento", conta Guadalupe, que é natural de Buenos Aires. A estudante decidiu se candidatar após consultar seu orientador e elaborar um projeto baseado em suas investigações anteriores sobre alimentação, biodiversidade e artes cênicas, desenvolvidas junto ao coletivo teatral Poéticas do Entre, vinculado à UNILA.
Durante o intercâmbio, Guadalupe concentrou sua pesquisa em dois eixos. O primeiro foi dedicado ao filósofo György Lukács, um dos mais importantes pensadores húngaros do século XX e referência do marxismo. Ela visitou a casa do autor e pesquisou publicações de suas obras em países latino-americanos, usando acervos digitais de universidades públicas da região. O segundo eixo surgiu a partir de um seminário conduzido pela professora Ágnes Szilágyi, diretora do Departamento de História da ELTE e supervisora de Guadalupe na Hungria. A proposta envolvia investigar a América Latina a partir de fontes húngaras, especialmente os arquivos da rádio anticomunista Free Europe, disponíveis no museu Blinken OSA. Guadalupe escolheu a Argentina como objeto de análise, explorando documentos de 1975 a 1986, período que abrange a última ditadura militar no país e sua transição democrática.
Apesar do tempo curto de permanência, a vivência foi intensa. Além das pesquisas, Guadalupe participou de disciplinas sobre a União Soviética e a chamada Civilização Global, ampliando sua compreensão sobre os impactos do socialismo real na Europa e os debates contemporâneos da União Europeia. A experiência reforça o papel da mobilidade acadêmica na formação crítica e plural que o PPGIELA busca oferecer. Guadalupe é categórica: “Pude conhecer outro país e me aprofundar na pesquisa com arquivos, ampliar meu conhecimento sobre a história europeia e a atualidade. Recomendo a qualquer estudante que tenha oportunidade de participar dessas convocatórias e ir para longe para enxergar o mundo desde outras latitudes”.
Como participar de uma experiência de mobilidade na pós-graduação
Na UNILA, estudantes da pós-graduação regularmente matriculados podem participar de programas de mobilidade acadêmica por meio de editais lançados pela Seção de Mobilidade da Pró-Reitoria de Relações Institucionais e Internacionais (PROINT). A Universidade mantém convênios bilaterais que, sempre que possível, incluem vagas voltadas à pós-graduação Stricto Sensu. Recentemente, a UNILA passou a integrar o Programa Escala de Estudiantes de Posgrado, da Associação de Universidades Grupo Montevidéu (AUGM), que oferece, semestralmente, vagas com bolsa para mobilidade internacional. “Já tivemos os dois primeiros estudantes selecionados em 2025, o que sinaliza uma ampliação concreta das oportunidades na pós”, destaca Cristiane Dutra Struckes, chefe da Seção de Mobilidade Acadêmica.
Além dos editais institucionais, há também a possibilidade de mobilidade livre, quando o próprio estudante articula sua aceitação junto a uma universidade parceira. As atividades não se restringem a cursar disciplinas: podem incluir pesquisa, estágio, atividades de ensino e de extensão. “É uma forma de ampliar a experiência acadêmica e profissional dos estudantes em outras instituições, sem que deixem de cumprir com os compromissos assumidos no programa da UNILA”, explica Cristiane. Para participar, é necessário ser aluno regular de um programa de pós-graduação da UNILA, elaborar um plano de trabalho com anuência da coordenação e do orientador, e submeter a proposta ao edital ou programa de mobilidade vigente. As atividades devem ocorrer dentro do prazo previsto para a defesa da dissertação, garantindo que o intercâmbio seja proveitoso e não prejudique o cronograma acadêmico. Todas as ações realizadas durante a mobilidade podem ser aproveitadas na integralização do curso, desde que previstas no plano.
