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Vida Universitária

Cine Verde em Bici encerra ciclo reafirmando elo entre cinema e território

Financiada pela Lei Paulo Gustavo, iniciativa leva cinema a comunidades quilombolas, indígenas e periféricas
publicado: 28/07/2025 13h32, última modificação: 28/07/2025 13h32

Depois de percorrer aldeias indígenas, assentamentos rurais, comunidades quilombolas, espaços comunitários e ocupações urbanas entre 2024 e 2025, o projeto Cine Verde encerrou seu primeiro ciclo de atividades. A comemoração contou com uma programação multicultural e diversa, numa tônica que seguiu a vocação do projeto e uniu arte e saberes populares com reflexões sobre meio ambiente e a diversidade cultural. Organizado paralelamente à tradicional Feira Agroecológica e Cultural, no Jardim Universitário, o evento reuniu apresentações musicais, exibições de documentários, rodas de conversa, além de ter um viés gastronômico, marcado pela preparação em grupo e degustação de um prato típico da culinária latino-americana.

Fruto de um trabalho coletivo financiado pela Lei Paulo Gustavo – Lei Complementar nº 195/2022 –, o Cine Verde em Bici tem como fim ser uma iniciativa itinerante e acessível de cinema popular. Sua principal marca – como o nome indica – é uma bicicleta adaptada com projetor, som portátil e uma tela inflável. “A ideia é levar para aldeias onde geralmente não há acesso ao cinema. Levar para comunidades rurais e periféricas”, explica Adrielle Chiceri, idealizadora do projeto e diretora do documentário “Nuestra Gira”, exibido no evento de encerramento do ciclo. 

Desenvolvido na região trinacional, o Cine Verde em Bici levou a sétima arte a seis territórios, entre Brasil, Paraguai e Argentina, alcançando cidades mais distantes, como Minga Guazú (PY) – a cerca de 30 km de Foz do Iguaçu. “Além do cinema, a gente também levou a reflexão sobre o meio ambiente, porque toda a curadoria foi pensada com temáticas agroecológicas, territoriais e nisso a gente também trouxe algumas vivências”, explica Adrielle. 

Aluna do último período de Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar, Adrielle, ao citar vivências, se refere a atividades como a “jornada pelas PANCs” – em que os participantes do projeto percorreram a comunidade visitada em busca de plantas comestíveis não convencionais. “Eles nos passavam o conhecimento deles, enquanto a gente também mostrava algumas coisas que poderiam ser usadas. Teve muita troca, com cada território tendo a sua particularidade.”

 Tape Vy’a 

Um dos primeiros a se apresentar no evento de encerramento, o coral Tape Vy’a, do Tekoha Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, entoou cantos tradicionais guarani cujos significados dialogavam diretamente com os temas ali discutidos. “O primeiro canto foi para que todos aqui — as pessoas da UNILA e nós, como comunidade indígena — agarrem a mão um do outro e tenham força”, explicou o pajé Cassemiro Pereira (Karaí Verá Poty). Já outro canto falava da invasão pelos europeus, “lembrando que Deus deu a terra e a natureza e os homens a levaram”. Por fim, os membros do Tape Vy’a – que em português significa ‘caminho da alegria’ – cantaram sobre a importância de “indígenas e não indígenas” caminharem juntos, “para não errarmos o caminho.” 

Líder de uma das localidades visitadas pelo projeto Cine Verde em Bici, Karaí Verá Poty também vê a integração entre a aldeia e as instituições de ensino como uma forma de preservar sua cultura. “A universidade quer saber a nossa vivência”, resume. Por sua vez, Maria Serrate dos Santos, presidenta da Associação Quilombola Horta do Seu Zé e da Dona Laíde, considera o projeto uma forma de dar visibilidade às comunidades tradicionais, ao mesmo tempo em que as fortalece. “A gente formou, minutos antes da exibição do filme na comunidade, um mutirão de limpeza no Córrego Brasília. Depois, todos nós nos sentamos para assistir ao Cine Verde”, contou, relembrando do dia em que o projeto esteve na horta. 

Uma das participantes da roda de conversa entre lideranças de comunidades indígenas, quilombolas, urbanas e camponesas – desenvolvida após a apresentação do coral –, Maria avaliou o encontro como “uma divisão de saberes e de conhecimento”: “A gente compartilha, né? Não só conhecimento, mas também os saberes ancestrais. Tudo isso, eu acho que faz parte e é muito interessante para nós”, avaliou a presidente da primeira comunidade quilombola da cidade, localizada na Vila C, região Norte de Foz do Iguaçu. 

 Sancocho 

 Membro do coletivo argentino Tierra sin Mal, Jorgelina Adriana Benítez também participou da roda de conversa, além de apresentar parte de seu conhecimento ao público do evento por meio do preparo do sancocho – prato típico latino-americano que na Argentina é chamado de puchero. “É uma comida que leva muitas verduras semi-inteiras. Mandioca, repolho, cenoura, carnes, banana verde, batata… Cada um traz o que tem com muito amor. Nós, então, cozinhamos e nos alimentamos”, explica a líder comunitária. “O sancocho simboliza tudo o que somos em um sabor”, sintetiza. 

Localizada em Puerto Iguazú (AR), a Tierra sin Mal é definida por Jorgelina como “um espaço de todos”. Com cachoeiras, trilhas e próximo ao Rio Paraná, o território recebe pessoas para acampar, para encontros, para ouvir músicas, cozinhar, jogar capoeira. “Quando o Cine Verde Bici chegou foi maravilhoso, pois foi algo que nunca tínhamos visto. As crianças nunca tinham tido a possibilidade de ir ao cinema”, comentou. 

Documentário 

Ao longo de 2024 e 2025, o Cine Verde em Bici apresentou filmes cuja curadoria foi adaptada a cada território, respeitando línguas e práticas locais. Foram exibidos curtas e longas-metragens sobre agroecologia e territórios indígenas e adotadas estratégias de acordo com o local. Na aldeia Ocoy, por exemplo, havia um intérprete em guarani, para garantir que as mensagens chegassem aos membros. Em Foz do Iguaçu, uma das ações mais marcantes foi a oficina de bolas de sementes no Assentamento Bubas, que reuniu mais de 200 pessoas. Entre esse público estavam cerca de 50 crianças que prepararam bolinhas feitas com argila, terra e sementes nativas. Depois de prontas, essas foram lançadas em um espaço para reflorestamento, em uma ação educativa e simbólica sobre o cuidado com a natureza.

Todas estas ações, desenvolvidas no biênio, constam do documentário “Nuestra Gira”. “Depois de passar por todos os territórios, a gente encerra este ciclo trazendo um pouquinho do que foi. A gente não tem muita pretensão com esse documentário. Ele apresenta alguns recorridos que a gente fez e a gente traz para que possamos compartilhar tudo que foi percorrido com essa bicicleta”.

Segundo Adrielle Chiceri, o projeto não deve terminar aqui. Possivelmente uma das ações será uma mostra no Festival de Culturas da UNILA (Fecult). Será uma nova abordagem, mais interna. 

O encerramento do evento contou com o show da banda latino-americana La Faiska, formada por alunos do Brasil, da Colômbia e do Chile.