Institucional
Licenciaturas buscam olhar crítico para a educação e o papel do professor
Dia do Professor
Os problemas são muitos, mas isso não impede a dedicação daqueles que aprenderam a importância da educação e encontraram no magistério mais que uma profissão, um motivo de luta. “Educar é uma militância. Não tem como. Quando você entra na educação, você tem que entrar na militância”, aponta Laura Amato, docente do curso de licenciatura em Letras – Espanhol e Português como Línguas Estrangeiras. “Por que o professor fica? Pela militância. O salário não dá conta, os professores estão cansados, reclamando, mas continuam trabalhando porque realmente veem a transformação”, avalia.
A busca pela transformação dos sujeitos e das realidades é visível nas falas de professores formados em cursos de licenciatura da UNILA. “A gente está em sala de aula não só porque acredita na educação como meio para se libertar das amarras, da ignorância, mas sobretudo pelo fato de lutar e continuar acreditando na sociedade, na possibilidade de transformar a nossa realidade social”, diz Mayara Cristina Dias, graduada em Letras – Espanhol e Português e atuando no Colégio Estadual Flávio Warken, na Vila C.
Para Maria Eugênia Ramos Ferreira, graduada em História e lecionando para alunos do ensino fundamental, a licenciatura mostrou que é preciso perceber as dinâmicas do processo de ensino e aprendizagem. “O aluno tem conhecimentos e a gente tem que aproveitar esses conhecimentos para poder construir o pensamento histórico, construir o saber histórico, fazer com que ele se torne um estudante, um ser humano crítico, um cidadão que contribui para o coletivo.”
“A gente trabalha com essa esperança de um mundo melhor, não só para os filhos, possíveis netos, mas pensando que eu também quero viver num lugar melhor”
Laura Amato
A dedicação dos professores, no entanto, caminha no sentido oposto ao da sua valorização. O contexto atual é de baixa remuneração, excesso de trabalho e precarização na carreira, com a falta de concursos entre outras questões apontadas pelos profissionais. Como exemplo da precarização, Laura aponta a questão do piso nacional do magistério. “Faz pouquíssimos anos que foi instituído e muitos estados ainda não pagam, de fato, o piso nacional”. E entre os estados que instituíram o piso, alguns estabeleceram regras que também acabam por prejudicar o professor. “Para cumprir o piso o estado rebaixa a possibilidade de ascensão de carreira docente. É um processo muito perverso. Os estados pagam o piso, mas para progredir na carreira o professor vai levar muito mais tempo do que nos planos de carreira anteriores”, aponta Márcia Cossetin, docente de Políticas Educacionais nos seis cursos de licenciatura oferecidos pela UNILA.
No Paraná, apontam as docentes, o cenário de precariedade da profissão inclui a falta de concursos, com a implantação dos processos seletivos simplificados (PSS) – adotado também outros estados – e a privatização da gestão das escolas estaduais. “O estado está indo de encontro – porque é choque mesmo – com a legalidade porque a gente tem que pensar em gestão democrática, pensar que o setor público é o responsável pela educação. E gestão de escolas faz parte”, critica Márcia. “A mídia está mascarando o que significa privatização da educação e trazendo [a gestão terceirizada] como aquilo que vai salvar a educação pública”, completa.
A falta de concursos traz uma série de consequências para a educação como um todo e para os professores em particular. “Temos, então, um professor que é sobrecarregado, um professor que muitas vezes não é habilitado para aquela área específica, mas pegou aquela disciplina, em uma escola que está a quilômetros de sua casa. Isso desvaloriza qualquer um”, avalia Laura.
Mobilização
Para Márcia Cossetin, a valorização do professor e o consequente reflexo na educação passa pela mobilização coletiva. “O professor precisa estar engajado na luta coletiva por políticas públicas e valorização docente. Além de oferecer a melhor formação em sua área, é imprescindível o trabalho, nesse sentido, com nossos alunos da licenciatura”, diz, completando: “Precisamos de valorização dos professores porque eles é que vão formar as crianças. Temos um discurso, que às vezes é muito vazio, de que as crianças são o futuro, o amanhã. Se não tivermos bons professores para formar essas crianças, talvez esse futuro seja comprometido para algumas.”
O pensamento de Rogério Anderson da Silva, formado em História e há seis anos atuando no magistério, segue nessa linha. “Hoje, o que tem importância é a nota do estudante, ele é um mero número dentro da sala de aula. E se a gente quer melhorar a educação, temos que passar a nos importar com o objeto da educação que é conduzir ou criar possibilidades ao estudante.” Para ele, o objetivo de atingir metas de desempenho não é um problema em si. "O problema está em converter toda a prática educativa para atingir essas metas. É preciso sair do 'discurso' de que o estudante tem importância e ir para a 'prática' de que o estudante tem importância.”
A precarização do trabalho do professor reflete-se na redução do número de ingressantes nos cursos de licenciatura em todo o país e também dos que concluem seus cursos. “É um fenômeno complexo para se enfrentar e que não depende só da universidade”, analisa Márcia Cossetin., lembrando a implicação direta do contexto da profissão docente, especificamente no Paraná, onde vive-se uma “política muito nefasta para as condições de trabalho docente” que provoca, inclusive, adoecimento dos professores.
“É claro que, além da formação desses sujeitos, tem outras coisas que a universidade pode fazer nesse sentido [ingresso e permanência] como o acolhimento dos discentes que chegam às licenciaturas e a compreensão de que muitos deles precisam trabalhar para poder se manter estudando”, pondera. “Nós temos que lembrar que não vamos dar conta de toda formação. Essa é a formação inicial, aquilo que é fundamento, que é base para que o estudante comece a desempenhar sua função como docente. É nessa perspectiva que pensamos em cursos de quatro anos, que seria o ideal para a formação e para retenção”, sugere.
As condições não são
as melhores nesse
momento, mas historicamente também
não foram. Avanços
só vieram a partir
de muita luta e de muito engajamento coletivo.
Márcia Cossetin
Transformações
Mesmo com as dificuldades no ingresso e retenção de estudantes, observam as duas docentes, há uma transformação de conceitos e atitudes pela qual eles passam no decorrer dos cursos de licenciatura e com a prática docente. “Eles vão entendendo o quão importante é a profissão. A gente vai ganhando alguns coraçõezinhos assim e é muito bonito realmente ver que eles vão se transformando em agentes da educação, em pessoas que veem que a educação pode ser um motor de mudança, apesar de todas as questões, apesar de todas as dificuldades”, conta Laura Amato.
Para Márcia, essa mudança é melhor percebida a partir do momento em que os estudantes começam a entender o curso com mais profundidade e a conhecer um pouco mais da escola. “Acho que acabam se encontrando e aliam aquele conhecimento que é próprio da área de formação com a perspectiva daquilo que a educação pode fazer para modificar a realidade social”, pontua. “Isso é o que nos encanta como docentes do ensino superior: perceber o crescimento intelectual, de compreensão, de análise. Acontece com eles também porque veem o quanto podem fazer diferença na vida de tantos sujeitos.”
No objetivo de formar professores, os cursos de licenciatura, além da formação pedagógica, também oferecem conhecimentos sobre legislação e políticas educacionais. “A formação de professores requer um conhecimento amplo da educação. Há uma implicação de fatores. Há outras camadas na nossa ação enquanto professor sobre as quais é preciso refletir para fazer escolhas conscientes, pensando que tipo de cidadão se quer formar”, aponta Laura.
Os cursos de licenciatura precisam ter sempre a perspectiva de formar estudantes que têm “papel fundamental em transformar a educação do futuro”, reflete Laura. “O curso superior tem que ajudar o estudante a se preparar para refletir sobre as gerações futuras. Mostrar que a educação é um campo amplo de atuação crítica.” Para a prática da educação, indica Laura, o professor também precisa conhecer a comunidade no entorno da escola onde atua “para entender quem são as pessoas que estão indo para a escola de fato”. Isso tem reflexos diretos na relação teoria-prática. “Por que se diz que a teoria na prática não funciona? Não funciona porque não se escuta de fato o que as pessoas querem e não se consegue fazer a junção da teoria crítica bonita com o que as pessoas pensam de fato. E esse é o papel da licenciatura: facilitar o que as teorias trazem com a realidade em que se vive.”
Transformando realidades pela educação:
a experiência de egressos dos cursos das UNILA
"Educação básica é o espaço de mudança possível"
Há dois anos em sala de aula, no Colégio Estadual Flávio Warken, na Vila C, Mayara Cristina Dias diz que a sua formação em Letras – Espanhol e Português como Línguas Estrangeiras, na UNILA, a ajudou a ampliar sua capacidade de crítica. “A formação vai nesse viés de ser uma pessoa mais crítica e, dentro de sala de aula, me sinto preparada, não só para trabalhar com a disciplina, mas sobretudo para trabalhar com as pessoas que estão ali e que são pessoas que irão querer transformar a realidade social.”
As experiência práticas que teve durante seu curso tiveram grande peso na sua decisão de se dedicar à educação básica. “Vejo que esse é o espaço de mudança que a gente tem hoje. Apesar de toda a precarização, tanto do trabalho do professor quanto da própria estrutura escolar, vejo que é o espaço que a gente tem pra continuar lutando por uma sociedade onde se possa realmente mudar as coisas”.
Comemorar o Dia do Professor, para ela, é lembrar também das dificuldades. “Não tem sido fácil estar nesse lugar, que eu escolhi e onde eu amo estar. Não está sendo fácil há um bom tempo, mas a gente está na educação porque tem esperança, acredita que dias melhores virão. Os próximos Dias dos Professores serão dias pra gente continuar lutando pelos nossos direitos e por um país melhor também.”
"A Universidade me ensinou a enxergar conhecimento como conhecimento"
Henrique Henrique Chien Hua Nascimento formou-se em 2023 e desde o início deste ano leciona Química, no Colégio Bom Pastor Lancaster, em Foz do Iguaçu, para turmas do ensino médio. Ele entrou na Universidade em dúvida sobre o futuro profissional, mas encantou-se logo no primeiro semestre e teve como exemplo seus próprios professores. “Acho que eu só consigo dar aula por causa da Universidade. Eu sempre fui muito tímido, eu não conseguia nem falar em público, isso mudou conforme foi passando o tempo, e com as aulas que a gente preparava para os colegas e os estágios. Não só isso, como todas as discussões, a abordagem dos conteúdos, os resultados, como se enxerga o aprendizado”, enumera.
Ele conta que, antes de ingressar no ensino superior, enxergava o conhecimento de forma prática: aprender para passar em uma prova ou para resolver determinada questão. “E não é assim. A Universidade me ensinou a enxergar conhecimento como conhecimento. Você não precisa decorar. Você tem que pensar. Desde o primeiro semestre, comecei a mudar minha forma de aprender e minha forma de enxergar a educação.”
Henrique sentiu, no início, dificuldade em transmitir para seus alunos a mudança de paradigma que ele mesmo experimentou. “Eu estou chegando lá. No início foi um pouco difícil porque eu estava tentando usar metodologias diferentes, mas houve uma certa resistência, mas agora estou chegando ao objetivo de fazer a turma enxergar a química de forma ‘diferente.” No entanto, ele foi preparado durante seu curso para entender as resistências “Já sabia o que ia acontecer. Não foi um choque de realidade”, brinca.
"Educação pública tem carência de futuro"
“A partir do momento em que a gente entra em sala de aula é uma grande mudança na sua vida. E isso já vale muito a pena. Estamos contribuindo para que o estudante tenha um mínimo de noção sobre possibilidades de existência diferentes. Isso é maravilhoso e é nisso que eu me apego”, afirma Rogério Anderson da Silva, formado em História e há seis anos atuando no magistério. “Não quero perder a crença de que o estudante possa olhar para si mesmo e para o mundo a partir de outras perspectivas, justamente porque eu trabalho na educação pública onde a gente tem uma carência de futuro.”
Ele, como tantos outros estudantes ingressantes em cursos superiores, entrou em um curso de licenciatura sem a “vontade de ser professor”. “Nunca quis ser professor, não por não valorizar a profissão, simplesmente pelo fato de que, vindo da condição social da que vim, eu sequer tinha ideia do que era uma universidade. Aprendi no processo de formação a ser professor e aprendi a gostar demais.”
“A formação é essencial para a gente ter um desempenho razoável em sala de aula. E também para se manter esperançoso porque a formação vai te ajudar de forma definitiva nisso.” Ele aponta especificamente a importância da disciplina Educação Histórica para seu entendimento da educação e do aluno. “Explica a entender o sujeito como um sujeito dotado de consciência que, na vida prática, tenha condições de tomar melhores decisões.” Rogério atua em duas escolas de Medianeira, o Colégio João Manoel Mondrone e o Colégio Marechal Arthur da Costa e Silva, lecionando para as últimas séries do fundamental e ensino médio.
Para o futuro, ele gostaria de autonomia para exercer a sua função. “Sendo otimista, como eu costumo ser, gostaria que a gente voltasse a ter a liberdade de ser professor. Tivesse a condição de trabalhar a partir do que a nossa formação proporcionou. Isso tem se esvaziado, principalmente, com esse grande número de plataformas que o estado vem colocando”, diz, citando sistemas de controle implantados nas escolas estaduais.
"Prática de sala de aula vem desde de entender que a escola tem uma função social"
Formado em Geografia, em 2022, e com especialização em educação especial, Nathan Heringer da Conceição da Silva, divide seu tempo entre três colégios: Barão do Rio Branco, Santa Rita e Arnaldo Bussato, todos em Foz do Iguaçu.
Ele entrou na UNILA decidido a seguir o magistério. Sua facilidade em expressar-se e de lidar com pessoas chamava a atenção de seu professores e isso pesou na sua opção. Assim como sua preferência pela Geografia. “Eu curtia a Geografia, curtia essa ideia de estar em um ambiente sempre diferente, sempre tendo rotação de pessoas que você vai conhecendo, vai entrando na vida delas”, explica.
Da formação recebida na UNILA, que contemplou não só a Geografia, matéria da qual sempre gostou, como também as matérias relacionadas à educação, foi o estágio o que mais marcou Nathan. “Acho que essa é a hora em que a galera decide se vai realmente seguir no magistério, se vai querer dar aula. Quando eu tive essa primeira experiência, eu curti e falei ‘eu consigo fazer isso, consigo me ver como esse professor e consigo ver esses alunos como os meus alunos daqui uns anos’.”
Um dos seus objetivos é fazer seus alunos perceberem o ensino superior é uma possibilidade. “Depois que eu entrei na faculdade, eu percebi o quanto é bom, porque, na minha família, ninguém fez [curso superior], então, quando eu entrei, vi as possibilidades de desenvolvimento pessoal e quero passar isso pra frente. Quero construir isso nos alunos.”
Para ele, a prática do magistério extrapola a sala de aula e conhecimentos pedagógicos e deve levar em conta a função social e a importância do colégio nos bairros. “Todo mundo que vive em escola pública, todo mundo que fez escola pública sabe como ela é importante para a comunidade em que está inserida”, diz, lembrando que a formação recebida no curso de licenciatura o preparou para essas questões. “ A minha prática de sala de aula vem desde de entender que a escola tem uma função social, [o curso me fez] aprender a dar aula, a me portar como professor, a falar, saber gesticular, saber analisar, direcionar os alunos para levantar as questões a que se quer que eles cheguem.”
"Estar em sala de aula é uma das experiencia mais desafiadoras"
Trabalhando em Santos, sua cidade natal, Maria Eugênia Ramos Ferreira ministra aulas de História para alunos do ensino fundamental e conta que sempre teve maior inclinação para as Ciências Sociais e Ciências Humanas, por isso, ao pensar em uma profissão, as possibilidades sempre relacionavam-se a essas áreas. “Até que eu decidi que eu ia ser professora de História porque eu também já tinha consciência de que as minhas opções dentro dessa área seriam a pesquisa e, principalmente, o magistério. Depois que eu coloquei isso na minha cabeça, nada mais tirou.”
Na primeira aula, em 2020, a certeza da escolha consolidou-se em uma dinâmica realizada pelo professor Paulo Renato da Silva. “A reflexão que ele fez teve muito sentido pra mim. Eu lembro que terminou a aula e liguei para o meu pai e falei que eu tinha escolhido certo, que estava no no curso que eu queria”, pontuou.
Para ela, sua formação no curso a ajudou a “pensar fora da caixinha”, a propor aulas para além do “eu fico aqui falando e vocês ficam aí ouvindo”. E, diz ela, isso foi essencial. “Agora, estou trabalhando com o sexto ano e eu vou avaliar o que eles aprenderam das aulas de Grécia Antiga a partir da construção de uma maquete. Está sendo uma experiência muito bacana, muito desafiadora, difícil, mas muito interessante”, exemplifica.
“Esse vai ser o primeiro Dia dos Professores que eu vou comemorar e as dificuldades já são várias”, aponta Maria Eugênia. “Acho que estar em sala de aula é uma das experiencia mais desafiadoras. Dominar os conteúdos da disciplina, desenvolver criticidade e habilidades [e ao mesmo tempo] lidar com as individualidades de cada um é muito desafiador.”
Para o futuro, ela espera ver revertidas decisões que prejudicam a educação. “Pensando principalmente na questão da educação pública, eu espero que no futuro a gente consiga reverter toda essa precarização, que é um processo de anos, mas que veio se intensificando, com propostas de escolas cívico-militares que vêm dificultando e aumentando as desigualdades sociais; e o novo ensino médio, que veio para aumentar as diferenças entre o ensino público e o ensino privado.” Esse é um futuro desafiador, reflete. “A gente começa a ver cada vez mais que esses projetos estão aí pra definir quem vai entrar na educação superior pública e essas pessoas não serão as oriundas da escola pública."