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Representatividade negra na UNILA e os desafios de docentes e técnicos

No Dia da Consciência Negra, servidores fazem uma reflexão sobre a importância da presença de negros e negras no ensino superior para a mudança da sociedade
publicado: 20/11/2025 07h00, última modificação: 20/11/2025 09h27

O Censo da Educação Superior 2024 mostra que apenas 21% dos docentes se autodeclaram pretos ou pardos, um percentual muito abaixo dos 55,5% que esse grupo representa na população geral. A UNILA tem 373 docentes, de acordo com o Plano de Desenvolvimento Institucional. Destes, apenas 11 são negros e outros 60, pretos e pardos (19%).

“Enquanto nós não tivermos uma universidade que olhe também para o quadro docente, dentro da perspectiva racial, a gente não vai ter uma universidade que luta contra o racismo”, diz a docente Angela de Souza, que há 15 anos organiza a Semana da Consciência Negra na UNILA e é também coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Latino-Americanos e Caribenhos (NEALA). “Nós ainda temos uma matriz curricular eurocentrada, nós ainda temos uma lógica pedagógica eurocentrada. Precisamos mudar e não tem como mudarmos o todo se uma dessas partes – o quadro docente e técnico – que é fundamental, não trouxer essas perspectivas”, completa.

Angela de Souza: Não adianta discurso e política se não houver uma efetividade prática __ Foto: Moisés Nascimento Bonfim SECOM/UNILA

Para ela, a Universidade precisa compreender que essa é uma luta que tem de ser feita internamente, institucionalmente. “Não adianta discurso e política se não houver uma efetividade prática”, diz, exemplificando com a realização de concursos com vagas distribuías por critérios étnico-raciais. Angela, que é a primeira docente negra da UNILA, reconhece que muito já foi feito na Universidade, mas há “muito mais que precisa ser enfrentado”.

As estatísticas são um recorte da realidade, mas não mostram a longa e difícil caminhada dos que conseguiram ingressar na docência superior ou nos quadros técnicos das instituições de ensino superior. Também não mostram o enfrentamento diário contra o racismo ainda tão presentes nas universidades. “Temos que trabalhar duas, três, quatro, cinco vezes mais para termos o mesmo reconhecimento de alguém que trabalhou dez vezes menos do que nós”, aponta Angela. “Esta é uma das formas explícitas de como o racismo se manifesta.”

No Dia da Consciência Negra, alguns docentes e servidores técnico-administrativos contam os desafios que enfrentaram em sua carreira acadêmica e refletem sobre a importância da presença de negros e negras na educação superior para a transformação da sociedade.

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Para uma jovem de periferia, as oportunidades acabam sendo limitadas. Por um lado, meus pais lutaram muito para garantir uma educação de qualidade na minha família, buscando bolsas de estudos quando possível. Por outro, precisávamos complementar a renda familiar. Meu primeiro emprego foi aos 12 anos, desde então já trabalhei panfletando, em telemarketing, secretariado, babá, comércio… Para pagar o cursinho, ajudava minha mãe na cantina em que ela trabalhava. É importante lembrar que essa é a trajetória de muita gente que conseguiu acessar a universidade e acaba tendo que se esforçar duplamente, estudando e trabalhando para se manter. Entrei na universidade num momento de abertura, muito importante, em 2004, quando se iniciava uma nova perspectiva para a educação no Brasil. A consolidação na carreira acadêmica foi um pouco tardia, tanto pelas escolhas em atuar de forma crítica e engajada, com atividades junto com movimentos sociais, quanto pela necessidade de trabalhar em muitas frentes para complementar a renda.

Quando cheguei na UNILA, fui muito acolhida pelo NEALA, que é o Núcleo de Estudos Afro-Latino-Americanos e Caribenhos. Isso fez toda a diferença para conseguir estar fortalecida em um espaço acadêmico diferente de outras universidades em que já trabalhei. A importância de estarmos na universidade reside na construção de ações complementares, que se fortalecem e nutrem coletivamente. Alimentamos temas voltados às relações étnico-raciais, construímos agendas de pesquisas e acolhemos os que vão chegando. Isso cria, aos poucos, um ambiente que podemos trabalhar com menos receio de sermos alvo. E, caso algo aconteça, não estamos sós.

Patrícia dos Santos Pinheiro é docente na UNILA desde 2021, é doutora em Ciências Sociais (UFRRJ), mestre em Desenvolvimento Rural (UFRGS) e graduada em Tecnologia em Meio Ambiente (UERGS)

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Meu maior desafio foi lidar com a desconfiança sobre nossa capacidade intelectual. Diferente das artes e do esporte, onde o racismo já não consegue negar a excelência negra, na academia, a dúvida permanece como estratégia de controle. Somos cobrados a provar valor o tempo todo, fazendo o dobro para receber metade do reconhecimento. Como lembra Mano Brown na introdução da música "A Vida é Desafio (ao vivo)",  para o negro o caminho é fazer dez vezes mais estando atrasado pelos séculos de colonialismo. Isso fica evidente na persistência do racismo estrutural no campo científico.

Em pesquisa recente, o IPEA mostrou que cresce mais o número de pesquisadores negros liderando grupos de pesquisa do que o de docentes ingressantes. Isso evidencia que nossa presença qualifica a produção científica. Além de reparar séculos de exclusão, pesquisadores negros ampliam perspectivas antes ignoradas, fortalecendo a universidade e sua relevância social. A diversidade não é apenas justiça: é potência acadêmica.

Sérgio Henrique de Oliveira Teixeira é docente na UNILA desde 2022, é doutor e mestre em Geografia pela Unicamp, onde também fez a graduação em Geografia 

 

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Grandes são os efeitos sobre a população negra brasileira o fato de sermos um país forjado em uma história de escravidão, o que exige maior esforço para se ascender na sociedade. Na minha formação, deparei-me com Brasis tão desiguais e isso exigiu muito propósito de vida para não me tornar estatística social e para construir meu caminho. Caminho esse de um menino da periferia de São Paulo, que se forma em Ciências Econômicas pela Universidade São Judas Tadeu, se torna mestre em Administração pela UFPR e doutor pela Unioeste. Lembro-me como se fosse hoje que um amigo me perguntou: “por que você vai fazer vestibular se não tem condições de pagar uma universidade privada?” E minha resposta foi: “primeiro eu faço e passo, e depois eu vejo como pagar”. E assim foi que ingressei na universidade, já trabalhando desde os meus 15 anos de idade.

Penso que uma sociedade mais diversa é benéfica a todos e especialmente para o desenvolvimento social. A presença de negros e negras no ambiente universitário aponta, em primeira instância, para exemplificar ser possível estar e ocupar esse espaço privilegiado de construção de saberes, em que pese sermos minoria em contradição a sermos maioria na população brasileira. Nossa [pouca] presença nas universidades evidencia a desigualdade ainda vivida em uma sociedade cujo racismo estrutural é muito presente. Todos podemos e temos direitos à cidadania e a melhores condições de vida. A diversidade cultural enriquece e uma sociedade plural é necessária para garantir que menos pessoas fiquem expostas a condições de vulnerabilidade.

Marcelo Silva é economista na UNILA desde 2012, é mestre em Administração pela UFPR e doutor em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela Unioeste.

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Minha trajetória acadêmica foi marcada por barreiras duras e persistentes. No Sul, ser quase sempre a única pessoa negra nos espaços de formação e trabalho significou enfrentar solidão, olhares de dúvida e a pressão de provar que eu merecia estar ali. A falta de referências negras aprofundou esses desafios, mas transformei cada obstáculo em força. Com apoio e resistência, conquistei meu espaço e sigo afirmando minha presença na carreira acadêmica.

A presença de servidores negros na universidade vai além da função que exercemos. Para mim, estar nesse espaço significa romper ausências históricas e abrir caminhos. Nossa presença amplia vozes, questiona desigualdades naturalizadas e mostra que a universidade também pode ser um lugar nosso. Ao nos verem ali, estudantes negros encontram referências que faltaram; e colegas passam a enxergar realidades antes invisíveis, fortalecendo uma mudança necessária.

Simone Cristina Camargo é servidora técnico-administrativa na UNILA desde 2023, atua na Secretaria Acadêmica do ILACVN

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Os desafios enfrentados foram multifacetados, começando pela barreira socioeconômica e a falta de acesso a instituições públicas na minha região. O primeiro grande obstáculo foi a necessidade de trabalhar para custear a faculdade de Ciências, pois em Sete Lagoas (MG), minha cidade natal, não havia universidade pública na época.

A consolidação na carreira foi marcada por uma jornada de 17 anos na educação básica (iniciando em instituições privadas e depois na rede estadual), sempre conciliando o trabalho com a busca por qualificação contínua: especialização, mestrado e doutorado. Essa trajetória exigiu muita dedicação e foi sustentada pelo apoio incondicional de meus pais, de origem humilde, que sempre me incentivaram a estudar e ter uma profissão como um pilar de transformação social.

Além das dificuldades estruturais, enfrentei o racismo institucional de forma direta. Um fato marcante durante o mestrado foi a fala de uma professora que, em uma discussão sobre minha coleta de dados, sugeriu que, "por ser negro", eu certamente teria dificuldades em campo para obter os dados da minha investigação. Esse tipo de comentário evidencia o preconceito e a desconfiança que docentes negros enfrentam em ambientes majoritariamente brancos.

A presença de docentes negras e negros é fundamental e transformadora. Ela é crucial para garantir a representatividade e servir de exemplo e inspiração para as novas gerações de estudantes, mostrando que sonhar e lutar por um espaço na academia não é impossível, apesar das barreiras impostas pelo racismo estrutural. Nossa presença contribui para a desconstrução de estereótipos e para a promoção de um ambiente universitário mais inclusivo e plural. O conhecimento e o respeito mútuo são fortalecidos, o que nos torna mais resilientes e capazes de compreender a realidade e as necessidades de nossos pares, enriquecendo o debate acadêmico e a produção científica a partir de perspectivas diversas e experiências vividas. A universidade, ao refletir melhor a composição da sociedade brasileira, torna-se um espaço mais democrático e um agente mais eficaz na luta contra o racismo estrutural.

Ronaldo Adriano Ribeiro da Silva, é docente na UNILA desde 2022, é licenciado em Biologia, Pedagogia e Artes Visuais, mestre em Educação e doutor em Ensino de Ciências e Educação Matemática

Confira álbum com atividades da Semana da Consciência Negra no Flickr da UNILA