Institucional
Biblioteca da UNILA recebe acervo de Juan Enrique Díaz Bordenave
Um dos principais pensadores da comunicação do continente, Juan Enrique Díaz Bordenave (1926-2012) faz jus ao título de cidadão latino-americano. Nascido em Encarnación, no vizinho Paraguai, ele estudou, visitou e viveu em vários países, como Argentina, Costa Rica, Peru e Brasil. Com uma história ímpar, o comunicador, educador e diplomata atuou por anos na Organização dos Estados Americanos (OEA), cursou mestrado e doutorado nos EUA, foi membro do Consejo Nacional de Educación y Cultura do Paraguai no governo de Fernando Lugo (2008-2012) e é autor de uma dezena de livros. Entre os mais famosos está “O que é Comunicação”, uma edição de bolso da Coleção Primeiros Passos, obrigatório para quem inicia os estudos na área. Falecido há 12 anos, Bordenave deixou também um extenso arquivo, formado por livros em diversos idiomas, artigos, fotografias, correspondências e projetos, entre outros, que contam um pouco da sua história e da América Latina. Material que, desde o ano passado, faz parte do acervo da BIUNILA e está em processo de triagem.
Apesar de o material ainda estar em análise pela Seção de Desenvolvimento de Acervo da Biblioteca, o valor histórico desses arquivos, cedidos pela família do pensador paraguaio, já foi constatado. Entre os documentos há, por exemplo, uma carta, escrita em 7 de outubro de 1935, destinada a Eusébio Ayala, então presidente do Paraguai. De autoria ainda não identificada, a carta foi endereçada ao chefe do Executivo do país vizinho pouco depois do final da Guerra do Chaco, que se iniciou em 1932 e seguiu até junho de 1935, envolvendo Bolívia e Paraguai. No texto, além de menções ao conflito, há um pedido de atenção de Ayala ao pai do remetente, “que se encuentra muy deprimido”. Além do pedido, o correspondente tece elogios a Ayala, repassa informações que poderiam até mesmo ser consideradas sigilosas e parabeniza-o por seus discursos à época do conflito entre os dois países.
Integração latino-americana
Criado oficialmente em 1991, o Mercosul já figurava em documentos de Bordenave anos antes, como pode ser constatado por meio do acervo agora em poder da UNILA. Em um deles, o diplomata apresenta quais seriam os desafios da comunicação frente ao bloco econômico a ser criado. O estudo, com data de 1984, foi doado à biblioteca em dois formatos: como impresso simples, em que a escrita se deu por máquina datilográfica ou impressora matricial, e em cópia de páginas de um livro já publicado. O curioso é que, na primeira versão, é possível ver apontamentos e marcações sobre palavras a serem cortadas da versão final, dando uma pista de como ele trabalhava. O texto é aberto com uma questão: “Que queremos con la integración” em que, por meio de citação de Maria Beatriz Moreira Luce, Bordenave pergunta: “es imprescindible tener certeza sobre QUIEN se integra, PARA QUE se integra y en QUE se integra”. Desenvolvido dentro do Proyecto Multinacional de Planificación y Administración para el Desarrollo Rural en América Latina y el Caribe, o documento foi elaborado para o Instituto Interamericano de Cooperación para la Agricultura.
A este estudo, se juntam artigos como “Comunicação e educação: o papel da tecnologia educacional”, texto sem data, mas com indicação que foi escrito depois de 1985, em que ele critica o “divórcio” entre ambas as áreas e propõe que comunicação e educação façam um “re-casamento” para que “ambos se comprometam radicalmente com a transformação libertadora da sociedade”. Além dos documentos, o acervo inclui fotografias e centenas de livros em vários idiomas e dos mais variados temas.
Doação
O acervo de um dos integrantes da Escola Latino-Americana de Comunicação foi doado à BIUNILA, no final de 2023, graças a um conjunto de fatores. “Tudo começou em junho de 2022, quando o companheiro João Pedro Stedile, do MST, me falou pela primeira vez sobre a doação desses livros”, conta o cientista político e docente da UNILA José Renato Vieira Martins, que intermediou a doação. Segundo ele, a intenção inicial da família era doar o acervo à Escola Nacional Florestan Fernandes, centro de formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no município de Guararema (SP). Porém, o próprio Stedile aconselhou os familiares a doarem os livros para a UNILA, por considerar que seriam mais úteis à Universidade. “Portanto, deve-se ao MST o fato de a UNILA haver recebido este acervo”, complementa o docente.
Conforme narrou a coordenadora da BIUNILA, Suzana Mingorance, como parte do material estava em poder da Editora Brasil de Fato, no Rio de Janeiro, foi traçada uma logística para o traslado da capital fluminense até a UNILA. “Fizemos a tratativa, pois como havia dois lugares com o acervo, um pouco na casa e um pouco na Editora Brasil de Fato, tivemos que organizar o transporte, que envolvia custos, etc. Tentamos concentrar toda a doação em um só lugar [a editora] para facilitar”, conta a bibliotecária-documentalista. Todo esse cuidado foi justificado pela relevância do que estava sendo recebido. Como contextualizou, trata-se de um acervo histórico importante para a UNILA, que tem justamente como vocação a integração latino-americana. Além disso, Juan Bordenave era paraguaio, um comunicador famoso e trabalhou com educação. “Por isso, nós tínhamos que investir [nessa logística], pois não temos recursos para adquirir um acervo como este. É um acervo único, desenvolvido por uma pessoa. Tem um valor que vai além do comercial, é um valor histórico, de memória”, avalia.
A análise da coordenadora da BIUNILA é corroborada por José Renato Vieira Martins, que destaca a atuação de Bordenave na OEA, em que assessorava programas de desenvolvimento rural e agricultura familiar no Nordeste brasileiro e nos países andinos. “Aliás, foi a necessidade de comunicar-se com os camponeses e os trabalhadores rurais, iletrados e sem o pleno domínio da língua espanhola, o que lhe despertou o interesse pela comunicação social. O educador Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido foi uma das influências teóricas das pesquisas que Bordenave realizou no Brasil”, conta Martins, que lembra que o pensador paraguaio é considerado por alguns o criador de uma teoria latino-americana da comunicação social.
Memorial
Com a guarda desse e de outros materiais já recebidos, classificados por Suzana como “inestimáveis”, a meta da BIUNILA é futuramente ter um Memorial da América Latina, que segundo ela vai ao encontro dos objetivos da Universidade. Além disso, materiais como o de Juan Enrique Díaz Bordenave são objetos de pesquisas de pós-graduandos, seja no mestrado ou no doutorado. “São coisas que fortalecem a Universidade. Se temos um acervo que não existe em outro lugar, é aqui que as pessoas vão procurar. É nosso nome que vai ser levado junto com esse trabalho”, disse a bibliotecária-documentalista.
No momento, a BIUNILA trabalha na separação e na limpeza do acervo. Os materiais em bom estado foram separados e o próximo passo é avaliar os que não estão em bom estado para executar uma higienização e ver a possibilidade de restauração.
Mais sobre Juan Díaz Bordenave
Casado com a também pensadora Maria Cândida Rocha Díaz Bordenave (1929-2021), professora e tradutora, Juan Enrique Díaz Bordenave atuou na OEA por mais de 20 anos e por isso morou em vários países. Devido a essas mudanças, o casal teve seis filhos de várias nacionalidades: um mexicano, uma costa-riquenha, dois peruanos e dois brasileiros. Entre os seus filhos mais conhecidos, estão os atores Enrique Díaz, nascido no Peru, e Chico Díaz, nascido no México.