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As influências da China e suas relações com a América Latina

O protagonismo chinês é assunto tratado pelo pesquisador Fábio Borges na série ¿Qué Pasa?
publicado: 10/12/2021 16h20, última modificação: 13/12/2021 09h11

“Se não houvesse a China e o dinamismo da China, a crise no Brasil seria ainda pior. A China funciona como um dinamizador das economias latino-americanas e caribenhas”, é o que explica o docente do curso de Relações Internacionais e Integração Fábio Borges na série ¿Qué Pasa?, onde fala sobre o protagonismo chinês e as relações da China com a América Latina e Caribe.

Borges começa lembrando que, nos últimos 20 anos, a China vem participando de uma disputa geopolítica importante e, hoje, já é o maior parceiro comercial e de investimentos da maioria dos países, incluindo os da América Latina e Caribe. E, parte disso, explica, dá-se pela complementaridade entre a América Latina e o Caribe e a China, um país enorme, carente de matérias-primas e alimento. “O país mais dinâmico do mundo ou entre os mais dinâmicos do mundo [precisa] muito desses recursos, que são recursos encontrados justamente na América Latina e Caribe. Essas relações vêm se estreitando, mas especialmente por conta dessa complementaridade entre as economias da região e a China.” Essa relação reduziu os resultados da crise econômica e social gerada com a pandemia de Covid-19, com a China atuando como dinamizador das economias locais.

Entre os anos 2000 e 2015, no auge do boom das commodities, comenta Borges, o Brasil, especialmente, mas também outros países latino-americanos, teve um forte protagonismo justamente por haver uma grande demanda da China por matérias-primas. Esse foi um momento de forte crescimento da região e impulsionou a integração no continente com a criação da Unasul, do Mercosul e da Aliança do Pacífico.

Para ele, o maior risco para a região está na falta de diversificação da pauta de exportações para a China, o que gera impactos sociais e ambientais negativos, deixando os países vulneráveis e dependentes de um único mercado importador. “Acho que esse é o maior risco, da concentração [de renda e de riquezas] e de estabelecer um tipo de relação centro-periferia onde só são exportadas matérias-primas com baixo valor agregado e importados produtos industrializados com alto valor agregado, gerando uma pressão na balança de pagamentos de vários desses países.”

A China, sendo o país mais dinâmico do mundo, tem essa carência de buscar locais onde possa ter investimentos lucrativos, e a América Latina gera essa possibilidade

Sobre os investimentos chineses na região, Fábio Borges diz que a Operação Lava-Jato acabou por prejudicar as empresas brasileiras do setor de infraestrutura, como a Odebrecht, Camargo Correia e Andrade Gutierrez, abrindo espaço para empresas chinesas. “A Lava-Jato pode ter trazido benefícios de combater a corrupção, mas ela traz algo que dificilmente um país sério faria, que é deixar suas grandes empresas quebrarem. E essas grandes empresas brasileiras, no momento em que entram em crise, abrem um grande espaço para a entrada das empresas chinesas e para investimentos chineses”, diz. “A China, sendo o país mais dinâmico do mundo, tem essa carência de buscar locais onde possa ter investimentos lucrativos, e a América Latina gera essa possibilidade”, completa, lembrando que a região é carente em infraestrutura.

Essa participação de empresas chinesas pode trazer desafios para as empresas locais, que terão dificuldade em termos de competitividade. “Isso pode gerar problemas de desemprego, de precarização do trabalho na nossa região, mas, por outro lado, eles estão investindo numa área estratégica para nós, que é a infraestrutura e que por tanto tempo foi deixada de lado pelos nossos governantes.”

Fábio Borges, coautor do livro “O Protagonismo da China na América Latina e seus impactos no Mercosul e Aliança do Pacífico”, que deve ser lançado em breve, diz que há uma preocupação com a assimetria na relação entre a América Latina e a China, que, nas últimas décadas, tem investido no combate à exclusão social, em tecnologia, na indústria, e tem se planejado a médio e longo prazo. “É uma preocupação, sem dúvida, essa relação que é muito assimétrica, mas aí cabe aos países latino-americanos fazer o que a China fez, o dever de casa: onde investir, como investir, como coordenar nossas ações frente a um país que, sozinho, é quase o dobro da América Latina em termos populacionais. Realmente, não tem como essas relações serem simétricas.”

Uma das hipóteses levantadas na preparação do livro diz respeito à relação entre o protagonismo chinês e o processo de fragmentação do Mercosul. “O protagonismo e o dinamismo da economia chinesa são tão grandes que alguns países isoladamente começam a pensar que é mais vantajoso fazer um acordo bilateral diretamente com a China do que negociar em bloco”, aponta, citando como exemplo o Uruguai, que pediu a flexibilização das regras do Mercosul para negociar diretamente com a China, “enxergando no Mercosul um entrave, algo que engessa um pouco a liberdade”. Também há parcerias de livre comércio com Chile, Argentina, Paraguai e Peru. “De uma maneira talvez não intencional a China, pelo seu dinamismo, gera, digamos assim, uma sedução para que esses países tentem se aproximar mais e deixem de lado o mercado regional.”

Competição

A América Latina e o Caribe podem ser o palco de uma disputa pela hegemonia mundial entre China e Estados Unidos. “Pela primeira vez na história, a China ocupa esse lugar [o da hegemonia no comércio na região] que era tradicionalmente dos Estados Unidos. O método de atuação da China é muito diferente. A China jamais está preocupada muito com intervenção militar, em condicionar sua presença a mudanças internas nos países, por exemplo. Ela é mais prudente, discreta.”

Nessa disputa, diz Fábio Borges, a América Latina pode “tirar proveito” porque não estará negociando com apenas um gigante, no caso os Estados Unidos, a quem tinha de ser subserviente. “Essa é a chamada estratégia do pêndulo. Jogar com esses dois gigantes e tentar tirar proveito disso, mas isso só funcionaria se a região estivesse coordenada, os países estivessem unidos entre si e tivessem algum tipo de planejamento de como tirar proveito dessa disputa.”