Institucional
Ações afirmativas reforçam vocação inclusiva e inovadora da UNILA
Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 13 de novembro, a atualização da Lei de Cotas (Lei nº 14.723/2023), que entre outros visa a ampliar o acesso de pretos, pardos, indígenas, quilombolas e de pessoas com deficiência também na pós-graduação, na prática já vinha sendo seguida pela UNILA havia mais de um ano. A adoção desta política de ação afirmativa é uma realidade na Universidade Federal da Integração Latino-Americana desde 3 de março de 2023, quando a Comissão Superior de Ensino da Universidade (COSUEN) aprovou a Resolução nº 4. O dispositivo, interno à UNILA, instituiu ações que buscam facilitar o ingresso não apenas de estudantes negros, indígenas, quilombolas e PcDs aos cursos de especialização, de mestrado e de doutorado, mas também o acesso de pessoas trans, refugiadas ou em situação de solicitação de refúgio, portadoras de visto humanitário no Brasil e outras categorias de vulnerabilidade social.
“As cotas são um aperfeiçoamento da cultura democrática brasileira e um importante vetor de desracialização da elite burocrática e da intelectualidade brasileira”
Com sua primeira versão sancionada em 2012, a primeira Lei de Cotas (Lei 12.711/2012) foi fruto de uma série de reivindicações dos movimentos sociais, sobretudo do movimento negro. Antes dela, foram criados outros dispositivos legais visando a mudar o currículo de ensino no Brasil. O primeiro deles, a Lei 10.639/03, modificou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e designou a data de 20 de novembro para celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra. O segundo, a Lei 11.645/08, ampliou esta obrigatoriedade, incluindo no currículo o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.
Além da inclusão dos quilombolas, a nova Lei de Cotas, sancionada na semana passada, promoveu ainda a redução do teto da renda familiar dos estudantes que podem ser inseridos nas ações afirmativas por meio do perfil socioeconômico. Anteriormente, o valor era de um salário mínimo e meio por pessoa da família. Com a sanção presidencial, passou para um salário mínimo.
“Ambas as reivindicações já eram pautadas por parte do movimento social negro, que entendia que a população de menor renda deveria ser prioritária na adoção de políticas de acesso ao ensino superior”, explica o professor Waldemir Rosa. Pesquisador da área das relações raciais e coordenador do curso de Antropologia – Diversidade Cultural Latino-Americana, o docente comenta que a questão da renda já era considerada prioritária em 2003, quando da implementação da política de reserva de vagas no vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e ganhou força no ano posterior, com a implementação da política de cotas na Universidade de Brasília (UnB), “por ser uma das universidades com o perfil discente mais elitizado do Brasil naquele período”, complementa.
Quilombolas
Já a outra reivindicação histórica contemplada pela nova Lei de Cotas, a inclusão das populações quilombolas como um dos 28 povos e comunidades tradicionais do Brasil, era ainda mais antiga. Segundo Waldemir Rosa, esse reconhecimento era pleiteado mesmo antes da promulgação da primeira lei, que incluiu os indígenas, e da Lei 13.409/2016, que alterou a redação da Lei 12.711/2012 e incluiu as pessoas com deficiência nas ações afirmativas. “O Brasil não possui uma série histórica de estatísticas de populações quilombolas, o que dificulta a produção de indicadores sociais sobre a população. Mas estima-se que tal população tenha entre os piores indicadores sociais em educação, acesso à saúde, moradia, entre outros”, contextualiza o professor. Por essa razão, complementa, a inclusão dos quilombolas nas políticas de cotas tem de ser entendida como um “princípio importante de aperfeiçoamento da política e de democratização do acesso ao ensino superior”.
Além da inclusão de quilombolas e da diminuição do teto da renda familiar dos estudantes, a nova Lei de Cotas modificou a forma de ingresso. Pela lei de 2012, o candidato concorria apenas às vagas reservadas para essas ações afirmativas, mesmo que sua nota fosse suficiente para a ampla concorrência. Pela legislação atual, haverá uma inversão: primeiramente serão observadas as notas de ampla concorrência, em seguida, a das cotas.
UNILA
Desenvolvidas para combater desigualdades e dar oportunidades a grupos sociais historicamente excluídos, as ações afirmativas modificaram o perfil da educação superior no país. Segundo o Censo da Educação Superior, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2012, o número de ingressantes no ensino superior da rede federal por ações afirmativas foi de 40.661 estudantes; já em 2022, esse número passou para 108.616 estudantes. Entre 2012 e 2022, 1.148.521 alunos ingressaram no ensino superior público por meio da Lei de Cotas. As informações são da Assessoria de Comunicação Social do MEC.
Na UNILA essa realidade não foi diferente. A Universidade adotou a Lei de Cotas, formalmente, a partir do processo seletivo de 2014. Porém, desde a criação da Universidade, em 2010, até 2022, a porcentagem de ingressantes pretos e pardos subiu de 12% para 33% em relação ao índice geral de novos estudantes nos cursos de graduação e de pós-graduação. Atualmente, a instituição possui em seus quadros 367 discentes oriundos de escolas públicas (independentemente de cor ou etnia), cuja renda familiar per capita é igual ou superior a 1,5 salário mínimo. A eles se juntam 190 pretos, pardos ou indígenas egressos de escolas públicas (independentemente da renda).
Esse novo perfil de discentes tem modificado aos poucos o ensino superior brasileiro. Segundo Waldemir da Rosa, “a universidade pública brasileira, em especial o sistema federal de educação superior, sempre foi um espaço privilegiado de reprodução da elite intelectual e burocrática do país”, algo diferente de dizer que a universidade seja um espaço destinado aos grupos privilegiados: “É importante dizer isso pela razão de que não são todas as áreas das universidades públicas que são de interesse das elites econômicas e burocráticas do país. As carreiras das licenciaturas e educação, por exemplo, são áreas que historicamente estão ligadas às universidades públicas e que não despertam, salvo casos excepcionais, o interesse dos grupos mais privilegiados do ponto de vista econômico e político”, comenta o docente da UNILA.
Ou seja, por meio das ações afirmativas, tem sido possível promover a inserção de segmentos que historicamente tiveram o acesso ao ensino superior limitado. De acordo com Waldemir Rosa, isso tem levado a uma democratização das áreas de maior interesse das elites econômicas e burocráticas no Brasil. “Cotas são um aperfeiçoamento da cultura democrática e um importante vetor de desracialização da elite burocrática e da intelectualidade brasileira”.
Permanência
Na UNILA, além das ações afirmativas serem mais amplas, e alcançarem também pessoas trans, refugiadas ou em situação de solicitação de refúgio, portadoras de visto humanitário no Brasil e outras categorias de vulnerabilidade social, também são mantidas políticas que visam a integração e a permanência desses discentes na Universidade. É o caso das tutorias para indígenas e refugiados, executadas pela Pró-Reitoria de Graduação, por exemplo.
Segundo Waldemir Rosa, mesmo após uma década da Lei de Cotas, em todo o país o maior desafio para a efetividade das políticas de ações afirmativas ainda é a permanência. Sem políticas neste sentido, que passam, entre outros, pela assistência estudantil, considerada por ele um direito básico para a atividade acadêmica, “os impactos positivos das ações afirmativas são diminuídos”. Com isso, há o risco de fortalecer o mito de que há um fracasso educacional dos grupos discriminados no interior da sociedade.
“Outro desafio urgente é a promoção de pluralismo epistêmico. Incluir a diversidade, sem exotizar e fetichizar a diferença, é um desafio urgente nas universidades brasileiras”, considera. Na opinião do docente, celebração de forma acrítica da diferença cultural nas universidades traz como consequência a ilusão de que apenas a presença de indivíduos racialmente marcados neste espaço não está relacionada com a revisão de práticas pedagógicas e didáticas, com a mudança da cultura acadêmica e com o enfrentamento ao racismo institucional e sistêmico.
“As diretrizes da educação para as relações étnico-raciais são um importante parâmetro para compreendermos como a educação está relacionada com a valorização da democracia, a efetivação da cidadania e com a garantia de promoção dos direitos humanos. Tais alterações só são possíveis com um diálogo franco e simétrico com as diversas organizações e formações culturais que existem no Brasil”, encerrou.
Política
Em abril deste ano, o Conselho Universitário da UNILA aprovou a Política de Ações Afirmativas da instituição. O documento orienta ações e medidas a serem adotadas visando à promoção da igualdade ou da equidade de oportunidades a pessoas historicamente afetadas e invisibilizadas por violações de direitos, discriminações, desigualdades sociais, raciais e de gênero.