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Diplomacia digital: uma nova forma de relacionamento na política internacional

O avanço no uso das redes sociais e de outras plataformas digitais e sua relação com a diplomacia são temas para a série ¿Qué Pasa?, que ouviu o pesquisador Lucas Mesquita
publicado: 17/12/2021 16h20, última modificação: 17/12/2021 17h22

Opiniões, debates, provocações, crises e soluções de crises – nacionais e internacionais –, tudo passa pelas redes sociais e outras plataformas digitais, com diferentes níveis de intensidade, de abrangência geográfica e importância. Com o avanço na utilização dessas ferramentas, as relações internacionais ganharam, nos últimos anos, um novo palco de atuação e um novo conceito, o da "diplomacia digital". Para falar sobre o assunto, a SECOM convidou o professor do curso de Relações Internacionais e Integração Lucas Mesquita para um bate-papo na série ¿Qué Pasa?

A diplomacia digital, conceitua Mesquita, é, basicamente, a utilização das redes sociais e outras plataformas digitais por chancelarias, Ministérios das Relações Exteriores, presidentes da República e outros atores da política externa para o relacionamento com outros países e instituições internacionais. “É algo novo, recente, e que tem gerado impacto, principalmente nos últimos dois, três anos, com a aceleração da utilização das mídias. No contexto pandêmico, você tem também um incremento importante dessas mídias sociais pautando o debate, o diálogo e a comunicação entre atores-chave da política internacional”, destaca.

Para ele, as redes sociais facilitam a resolução de conflitos entre Estados em função da velocidade e da amplitude de circulação da informação que leve à aproximação entre lideranças. “Para dois líderes se sentarem à mesa antes das redes sociais, precisaria ter um avião ou, no mínimo, um telefone, uma ida a negociações, precisaria ter toda uma articulação, que demanda tempo, recurso, trabalho, circulação. O trunfo das redes sociais é justamente permitir uma maior velocidade desse fluxo de informação e dessas possibilidades de interação entre lideranças.”

A aproximação dos Estados Unidos de Cuba, no governo Barack Obama, é um dos exemplos citados por ele sobre como as redes sociais facilitam a resolução de conflitos. Numa perspectiva contrária, diz ele, o Brasil protagonizou o endurecimento de suas relações com a China no contexto da pandemia. “Cenários de crise podem emergir, mas também podem ser resolvidos hoje em dia na política internacional com uma postagem de um presidente, de um ministro das Relações Exteriores ou de um ator importante. É bem significativa essa nova forma de se fazer política internacional.”

Audiência e dependência

As próprias plataformas digitais, aponta Mesquita, podem ser consideradas atores da política internacional porque pautam as discussões, os discursos e mediam as informações que circulam, muitas vezes, de uma forma pouco transparente. “Elas são, sem sombra de dúvidas, atores internacionais porque influenciam os dados, têm as informações necessárias para pautar o dia a dia da política”, diz, exemplificando com o caso Cambridge Analytica, que usou dados de usuários de redes sociais para influenciar uma série de eleições. Além disso, destaca, as redes sociais são hoje o palco da política. “Hoje não se faz política sem estar nas redes sociais, hoje não há um ator político que não esteja nessas redes sociais, os principais debates passam por lá, e até mesmo a própria dependência do se fazer a política passa por essas plataformas sociais.”

Os grupos que detêm a propriedade das redes sociais na mediação do conteúdo publicado, com a exclusão de perfis como aconteceu recentemente com Donald Trump e com o próprio presidente brasileiro, lembra Mesquita, têm interesse na polêmica, que alimenta a audiência. “Essas suspensões ocorrem a partir de vários exemplos, publicações, postagens que incentivam fake news, incentivam desinformação, e eu acho que isso vai levando a um processo que se torna quase inevitável [que é a suspensão] desses atores, mas [isso] também não impede que nessas redes sociais a desinformação continue a circular, que outros atores repliquem essas informações”, comenta, ressalvando que são empresas privadas e que o controle do Estado sobre elas ainda é muito difícil de se estabelecer.

Para ele, o debate sobre fake news e o controle sobre essas empresas privadas e sobre o fluxo de informações ainda precisam avançar. “Acho que a gente precisa avançar um pouco mais nessa regulamentação, nessa definição, porque isso não pode ficar em casos específicos [Trump e Bolsonaro] fáceis de serem identificados. A gente sabe que, nessas redes, a disseminação dessas informações não vai acabar em função desses banimentos”.

Sem trocas

Apesar das facilidades, do volume e do fluxo de informações propiciados pelas redes sociais, Mesquita acredita que a diplomacia digital não irá substituir a tradicional. “Eu acho que é um elemento que vai complementar [o trabalho dos diplomatas], porque do ponto de vista de qualquer negociação, seja entre Estados, comercial, entre pares ou política, ainda tem muitas outras nuances do que só o discurso.” Segundo ele, cada avanço tecnológico registrado a partir da invenção do telegrama produziu questionamentos sobre o futuro da atividade diplomática. “Todos os grandes marcos da tecnologia impactam a forma de fazer a política internacional, porque impactam a forma de fazer política, a forma como a sociedade se comporta.”

O pesquisador aponta para o fato de que, com as mídias sociais, a informação hoje não é exclusiva dos diplomatas. “Hoje todo mundo tem acesso à informação. O que ocorre na política internacional não é mais exclusividade daqueles atores que estão lidando com isso. Provavelmente é uma mesma informação que está sendo recebida, que está sendo monitorada pela chancelaria, pelas organizações internacionais”, afirma.