Institucional
Dia da Consciência Negra: a diversidade que faz parte da nossa história
Resistência é a palavra mais que necessária quando o tema da consciência negra emerge nos espaços cotidianos. A diversidade faz parte da história da vida humana; ela representa um orgulho, mas também um movimento de consciência coletiva sobre tudo o que gira em torno da diversidade. O povo latino-americano é miscigenado por natureza, ou seja, esta é uma realidade que não é típica apenas do Brasil, visto que outros países do continente, entre eles Colômbia, Venezuela e México, por exemplo, têm um representativo número de negros em proporção à população geral.
A principal bandeira dos movimentos sociais ligados ao tema é a reparação histórica em relação à população negra, com o intuito de garantir visibilidade para esta luta e de possibilitar conquistas que se consolidam a partir da formulação de políticas públicas na área. As ações afirmativas, por exemplo, existem como uma tentativa de equilibrar oportunidades a todos e corrigir desigualdades sociais presentes na sociedade.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a identificação de cor ou raça da população brasileira é feita com base na autodeclaração, momento em que as pessoas respondem sobre a cor da própria pele, a partir das opções branca, preta, parda, indígena ou amarela. É com base nesses dados que possíveis políticas são destinadas a determinados públicos. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2019, 42,7% dos brasileiros se declararam brancos, 46,8% pardos, 9,4% pretos e 1,1% amarelos ou indígenas.
E é em relação à população de pretos e pardos que a história mostrou serem necessárias políticas públicas de reparação pelas desigualdades geradas ao longo dos anos. No Brasil, uma dessas conquistas se deu pela chamada Lei de Cotas (Lei nº 12.711, sancionada em agosto de 2012), cujo objetivo é diminuir as desigualdades de ingresso ao ensino superior. Inicialmente considera-se o caráter social, com vagas reservadas a estudantes de escolas públicas, ou seja, as cotas são destinadas, primeiro, de acordo com as condições socioeconômicas dos alunos, e não apenas em relação à questão racial.
Do universo local ao cenário nacional
E como essa representatividade acontece na UNILA? Com base no levantamento histórico de dados daqueles que fazem a autodeclaração de raça durante o período de inscrições – contabilizando desde os primeiros processos seletivos da UNILA –, tem-se em conta o seguinte perfil: 4.315 estudantes se declararam pretos e pardos (considerando não apenas estudantes brasileiros, mas de todas as nacionalidades que representam a instituição), em um total de 13.072 discentes que já foram matriculados em cursos de graduação e pós, no mesmo período. Ou seja, uma representatividade de 33%.
Já em um cenário mais ampliado, em nível nacional, pesquisas realizadas sobre a aplicação da Lei de Cotas ajudam a fazer uma análise da questão. Um estudo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), divulgado em 2019, constatou que a Lei de Cotas fez crescer o número de alunos pretos, pardos e indígenas nas instituições públicas de ensino superior, representando um aumento de 39% nos primeiros quatro anos de aplicação da lei.
Já uma pesquisa realizada em 2018 pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace) mostra que o percentual de discentes negros, nas instituições federais de ensino superior pesquisadas, subiu de 34,2% para 51,2% (de 2003 para 2018), considerando o número de pretos e pardos.
Esses são alguns registros disponíveis para balizar a discussão que analisa se a Lei de Cotas tem atingido os resultados esperados e também para avaliar a importância de dar continuidade à lei – visto que há a previsão de revisão da lei após 10 anos de sua implementação, tema que já vem sendo debatido no Congresso Nacional –, buscando compreender se ainda é preciso aprofundar as políticas afirmativas de ingresso e de permanência desses estudantes no ensino superior.
Como a UNILA aplica a Lei de Cotas
A UNILA adotou a Lei de Cotas, formalmente, a partir do processo seletivo de 2014, via Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Porém, o imaginário de um público que não conhece bem os detalhes da lei pode gerar concepções equivocadas sobre como ela foi pensada e como vem sendo executada, já que, em sua essência, a lei prevê a reserva de 50% das vagas das universidades e institutos federais de ensino superior a estudantes de escolas públicas (código L1).
Dentro dessa reserva de 50%, são estipuladas regras para destinar vagas a alunos de baixa renda, incluindo os que se autodeclaram pretos, pardos, indígenas ou com deficiência (código L2); e, para esse mesmo público, também há reserva de vagas independentemente do fator renda (código L6). As cotas para negros, pardos e indígenas levam em conta a porcentagem que esses grupos representam no Estado em que está localizada a instituição, de acordo com dados do IBGE.
Importante reforçar que a reserva de vagas por ações afirmativas já era uma prática que vinha sendo adotada por conta própria por algumas instituições, mas foi a consolidação da Lei de Cotas, em 2012, que deu sustentação a essa prática, de forma obrigatória para todas as instituições públicas do país. A figura ao lado mostra, de forma simplificada, como a lei funciona e destina a divisão dessas vagas.
E como esse número vem sendo representado na UNILA? Um levantamento sobre esse tema faz uma relação do número de vagas ofertadas em cursos de graduação via Sisu e o número de ingressantes que optaram pelo sistema de cotas, nos últimos anos. Se tomarmos como base o ano de 2018, por exemplo, a UNILA apresentou, nesse ano, o ingresso de 1.661 estudantes, dos quais 699 ocorreram via Sisu. Refinando ainda mais a pesquisa, 51 ingressantes optaram pelo código L2 (relacionado a renda e raça) e 71 pelo código L6 (relacionado a raça, independente da variante de renda).
O fluxo de ingresso de estudantes na UNILA
E como funciona uma banca de heteroidentificação de cotas raciais na UNILA? Primeiro é importante dizer que essas bancas são aplicadas somente para os cursos de graduação. Cada um dos 11 Programas de Pós-Graduação da UNILA (mestrados e doutorado) tem autonomia para determinar a reserva de vagas destinadas a pretos e pardos, mas isso serve apenas como uma orientação, e não como obrigação. Um levantamento realizado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PRPPG) da UNILA mostra que há reserva de vagas entre 20% e 30% para ações afirmativas nos processos seletivos. Também não há obrigatoriedade de os candidatos passarem por uma banca específica, bastando fazer a autodeclaração de raça no momento da inscrição. Há alguns cursos de especialização que já têm realizado reserva de vagas e bancas virtuais de autodeclaração, como é o caso da Especialização em Direitos Humanos na América Latina.
Quanto à seleção de estudantes de demais nacionalidades, dentro do Processo Seletivo Internacional, a Procuradoria Federal instruiu a UNILA a não incluir reserva de vagas para negros e pardos em seus processos seletivos, tendo em vista que a lei é direcionada apenas para a realidade social brasileira. Há outros processos pautados em ações afirmativas para candidatos estrangeiros, como o de indígenas e o de refugiados e portadores de visto humanitário.
Para reforçar a importância desse tema na Universidade, o Gabinete da Reitoria informou que o Grupo de Trabalho de Ações Afirmativas que vem atuando na UNILA está finalizando a elaboração de uma Política de Ações Afirmativas que, em breve, será apresentada ao Conselho Universitário. O GT apresentará uma proposta de alocação futura de ações afirmativas em uma unidade administrativa, e a Política colocará em cena ações que podem ser desenvolvidas em vários âmbitos da Universidade, com o objetivo de permitir condições de acesso, permanência e conclusão mais justas na instituição, por meio do estímulo de parcerias voltadas às ações afirmativas, ligadas a vários segmentos que foram historicamente alijados.
A experiência de formação de uma banca
Explicado a respeito desses diferenciais dos processos seletivos – e para sanar as dúvidas do imaginário popular –, o administrador Ivonei Gomes, da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), nos conta como é montada e realizada uma sala de heteroidentificação por cotas raciais e explica, na sua visão, como é a experiência dos estudantes que passam por uma banca dessa natureza.
Segundo ele, as bancas da UNILA geralmente são formadas por pessoas com diversidade de raça, gênero e idade. “A ideia da banca não é condenar as pessoas por estarem ali, por serem de fato o que se propõem a mostrar ou, por outro lado, não se enquadrarem. Então acho que o papel da banca é fundamental nesse sentido, passa a ser um processo educativo”, esclarece Ivonei, apontando que a diversidade dos componentes da banca permite que o estudante, em um primeiro momento, identifique-se com alguém que esteja ali naquela sala.
“As pessoas que pensaram a banca na UNILA tiveram uma ideia muito interessante que é a sala de espera, onde são colocadas fotos, cartazes de pessoas negras, de referências, de acontecimentos importantes. Já no primeiro impacto da pessoa que chega, ela vai se sentir acolhida, vai se identificar ou, ao contrário, vai perceber que talvez esteja equivocada”. E, nesses casos, segundo ele, muitas vezes se percebe que a pessoa não está ali de má-fé, mas que talvez tenha visto aquela inscrição como “uma oportunidade e que identificou em si um determinado traço que a levou a optar pelas cotas”.
A UNILA conta com duas bancas, que trabalham de acordo com norma específica, e cada uma delas é formada por três pessoas, sendo que uma banca pode atuar para questões recursais da outra. Ivonei diz que os componentes das bancas de heteroidentificação se propõem a fazer a seguinte leitura: “como a sociedade vê aquela pessoa; se ela estivesse passando pela rua, como ela seria vista”. Ele relata um caso de participação de uma pessoa branca e de olhos azuis, mas que se identificava como negra, relatando que há mais negros na família, que sente o que os demais sentem. “Ela era muito empática, conseguia se colocar no lugar das pessoas, mas certamente, quando numa loja sozinha, ela teria o tratamento que uma mulher negra não teria”, explica ele.
Acompanhe mais sobre o tema
Para mais informações sobre a Lei de Cotas, fique atento à próxima edição da série ¿Qué Pasa?, que vai contar com a participação do professor Waldemir Rosa, do curso de Antropologia. A série vai ao ar no canal da UNILA no YouTube.
E leia também a matéria com a participação de estudantes da UNILA que falam da importância de celebrar o Dia da Consciência Negra: A consciência individual que se transforma no coletivo.