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"É muito temerária essa escalada de países que querem ingressar na Otan", diz pesquisador

Fábio Borges, docente da área de Relações Internacionais, vê com preocupação a escala na guerra na Ucrânia, que já passa de 100 dias, e reflete sobre o papel da Otan no conflito
publicado: 08/06/2022 10h00, última modificação: 13/07/2023 16h38

O fortalecimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), com a adesão de novos países, está na raiz da invasão russa à Ucrânia, originando um conflito armado que já dura mais de 100 dias. “Eu diria que é muito temerária essa escalada de países que querem ingressar [na Otan] e as respostas que a Rússia poderá dar a isso”, reflete o docente da área de Relações Internacionais e pesquisador de economia política internacional Fábio Borges. “Diante desse cenário, onde essas grandes potências estão se movimentando, a chance de qualquer faisquinha se tornar uma explosão grande é real.”

O pesquisador explica que a Otan nasce logo após a Segunda Guerra Mundial, no início da Guerra Fria, com o objetivo de “prevenir a expansão da União Soviética para o ocidente capitalista”, e especialmente para os países ricos do Hemisfério Norte. Além disso, diz ele, a Otan é resultado de um “aprendizado” obtido nas duas grandes guerras. “Na Primeira e Segunda Guerra Mundial [foram firmadas] muitas alianças secretas. Um dos mecanismos para evitar essa desconfiança e alianças que não se sabia onde poderiam parar institucionaliza-se [a formação de alianças] através de um organismo intergovernamental e de modo transparente”, explica. “Mas, obviamente, os interesses específicos têm muito a ver com o poder dos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria”, completa.

Em 1991, com a dissolução da União Soviética e do Pacto de Varsóvia (organização que fazia contraponto à do Atlântico Norte), “a própria Otan entra em cheque porque é muito difícil existir uma aliança militar sem se ter um inimigo, uma ameaça”. A partir daí, a Otan passa a exercer outras atividades de combate a novas ameaças, como o terrorismo, o tráfico de drogas, os movimentos separatistas, mas os resultados não foram os esperados. “Aquele otimismo exagerado de que os Estados Unidos seriam capazes de ser o ator e estabilizador do sistema foi por água abaixo. Especialmente no 11 de setembro de 2001 ficou clara a fragilidade dos Estados Unidos nesse papel de liderança e, em geral, o que a gente vê é uma perda relativa do poder dos Estados Unidos no sistema internacional.”

De acordo com o pesquisador, a Otan, que estava vivendo um momento de descrédito, “agora reemerge com um significado maior por conta desse conflito e por conta de identificar novamente a Rússia como o inimigo”. A reação da Rússia, um país de tradição expansionista, despertou a desconfiança de países vizinhos que buscam prevenir-se de uma possível invasão. 

Protagonismo subestimado

Para ele, o poder da Rússia e sua tradição no sistema internacional foram subestimados, principalmente entre o final dos anos 1990 e a primeira década do século 21. “A Rússia, assim como os Estados Unidos, tem um ideário nacional, tem um mito fundacional de que é um país destinado a ser protagonista no sistema internacional”, afirma. “Na verdade, a Rússia nunca deixou de ser um ator extremamente importante. É uma potência nuclear. Subestimar a Rússia é um problema, só que nesse momento em que a Otan expandiu de 6 para 30 membros e, inclusive, alguns países da ex-União Soviética, obviamente o impacto na Rússia é de uma provocação.” Nesse sentido, diz Fábio Borges, “a Rússia se sente no mesmo direito dos Estados Unidos de pensar preventivamente a sua própria segurança”. Ele cita, como exemplo, a Crise dos Mísseis em Cuba, em 1962, quando os russos tentaram criar uma base militar na ilha caribenha e houve uma forte reação norte-americana.

A guerra na Ucrânia despertou, novamente, um cenário de incertezas e desconfianças entre os países, destaca Fábio Borges. “Agora parece que vem com muita força novamente um cenário internacional no qual você vai ter muita desconfiança do que pode acontecer: uma possível corrida armamentista, possíveis acidentes trágicos que podem trazer guerras de grande envergadura. É um ambiente muito delicado, é muito tenso”, frisa. Essa instabilidade, alerta o pesquisador, normalmente acontece em períodos de transições hegemônicas. “Quando uma potência está em decadência e outra está subindo, normalmente são períodos muito trágicos, como foi a Primeira Guerra mundial, como foi a Segunda Guerra Mundial.”

Ele chama a atenção para o fato de o momento envolver países com grande poderio militar e nuclear. “Porque nós não estamos falando de potências assimétricas, estamos falando da Rússia, que é a maior potência nuclear neste momento. Os Estados Unidos estão num momento muito delicado para definição da sua política externa, porque não há uma sincronia entre o papel que eles acham que têm no sistema internacional e o que eles realmente têm.” 

Além do conflito bélico, o mundo também assiste a uma “guerra de narrativas”, às vezes, com versões opostas sobre um mesmo acontecimento. “Na guerra em geral, é senso comum que ‘a primeira coisa que se mata é a verdade’. A guerra de informações, assim como [na Guerra Fria], é uma estratégia importante. Talvez com menos possibilidades de se manter por muito tempo, porque as conexões são mais intensas.”

Veja a entrevista completa no episódio da série ¿Qué Pasa?. No episódio, Fábio Borges comenta, ainda, a intenção de Finlândia e Suécia fazerem parte da Otan e as consequências dessa decisão, o possível uso de armas nucleares, as dificuldades da diplomacia na resolução do conflito, a importância de diferentes países no sistema internacional, o papel do Brasil e demais países dos BRICs.