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“Nos faltam dados para o enfrentamento da pandemia no Brasil”

Professora Flávia Trench foi a convidada do primeiro capítulo da nova temporada do Fator Ciência, que, em novo formato, discute vários aspectos do novo coronavírus
publicado: 08/05/2020 12h32, última modificação: 08/05/2020 12h32

A websérie Fator Ciência estreou, nesta sexta-feira (8), o primeiro capítulo da nova temporada, que será dedicada ao debate de diversos aspectos da Covid-19. Por conta do período de isolamento social, o programa está em novo formato e foi gravado à distância por meio da plataforma Zoom. Os capítulos serão divulgados sempre às sextas-feiras no canal da UNILA no YouTube e também em formato podcast no Spotify. No primeiro capítulo, a entrevistada é a docente do curso de Medicina da UNILA e médica infectologista, Flávia Trench.

 

Flávia Trench, que também é integrante do Comitê Institucional de Enfrentamento à Covid-19, reiterou que o isolamento social é a única ferramenta eficaz para evitar a disseminação do novo coronavírus. Porém, ela defende que são necessários dados para acompanhar a situação epidemiológica e garantir que o distanciamento tenha um resultado efetivo. “O problema da estratégia brasileira de enfrentamento à Covid-19 é que ela é feita sem dados. A gente tem um setor de epidemiologia pífio, temos subnotificação não só para coronavírus, mas também para doenças mais clássicas. E temos números de testagem igualmente insuficientes. Nós estamos tomando decisões para fechamento e, agora, para reabertura [do comércio], absolutamente no escuro. Nos faltam dados para o enfrentamento da pandemia no Brasil”, salientou.

Informações compiladas pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, mostram que, atualmente, a proporção de testes para cada mil habitantes no Brasil é de 0,63 (ou 63 a cada 100 mil habitantes). Esse número colocou o Brasil entre os países que menos testam no mundo. “Nós testamos uma ínfima parte dos pacientes que precisaríamos testar para ter dados robustos, para explicar o que está acontecendo realmente, e que nos ajudem a tomar decisões”, acrescentou. Flávia coloca que o único dado que é levado em consideração na estratégia brasileira é a ocupação dos leitos de UTIs e enfermaria. “Mas esse é um número que pode mudar rapidamente, de um dia para o outro, principalmente se levarmos em consideração que um paciente grave de Covid-19 fica, em média, 14 dias na UTI entubado. Já há relatos de pessoas que ficaram mais de 40 dias internadas”, disse.

Com a implantação da testagem por amostra em Foz do Iguaçu, Flávia Trench espera obter dados mais realistas sobre a realidade local. “Isso é basicamente o que Israel, Singapura e a Coreia do Norte fizeram. Chamamos de 'buscar a doença'. Mas isso deve ser algo bem feito e bem planejado. É uma estratégia que salva a economia, salva vidas e evita o colapso do sistema de saúde”, explica.

Imunidade e vacina

Por ser uma doença nova – ainda sem vacina e sem tratamento medicamentoso preventivo –, ainda há muitas dúvidas sobre o comportamento do Sars-CoV-2, o vírus que causa a Covid-19. Um dos questionamentos é se o paciente que já foi infectado obteria anticorpos que o impediria de ser novamente infectado pela doença, por um período de tempo. Segundo a médica Flávia Trench, ainda não há informações suficientes sobre a Codiv-19 para fazer essa afirmação. Ela cita como exemplo o comportamento de outros vírus. “Quando você se infecta de sarampo, por exemplo, você nunca mais terá sarampo. Já a gripe é diferente. O vírus é mutante e você pode voltar a se infectar um ano depois. Nós ainda não sabemos se o coronavírus vai se comportar como o sarampo, como a gripe, ou até de um jeito diferente”.

Por conta dessa dúvida, a orientação é que mesmo a pessoa que já tenha sido infectada deve continuar mantendo os hábitos de higiene, distanciamento e uso de máscaras. Todas essas práticas deverão ser seguidas por todos até, pelo menos, ter uma vacina desenvolvida e distribuída mundialmente. Algo que, segundo a pesquisadora, não deve acontecer antes de 2021. “Indo tudo bem com os estudos, a vacina sendo efetiva e segura, passando por todos os testes, não vamos conseguir contar com uma vacina antes de 2021. Eu cito muito o exemplo da H1N1. Naquela época, nós já sabíamos como desenvolver vacina para a gripe. Mesmo assim, demorou mais de um ano até conseguirmos uma vacina efetiva”, lembra Flávia.

Atuação da UNILA

Durante o programa, a professora Flávia Trench ressaltou a importância da participação da UNILA na implantação das ações de enfrentamento à Covid-19 em Foz do Iguaçu. “A mão de obra maciça para as intervenções tem sido dos alunos de Medicina. O plantão telefônico é 100% dos alunos da UNILA. Nossos alunos também estão atuando na triagem de pacientes, no pronto-socorro, na enfermaria, sempre acompanhados de um médico titular supervisionando. Em um evento de massa, como é uma pandemia, é um volume de pessoas que a gente não conseguiria mobilizar com recursos apenas do poder público municipal”, disse.

A aproximação entre a academia e a comunidade pode ficar, segundo Flávia, como um dos ganhos da pandemia. “É claro que estamos tendo muitas perdas. Mas é preciso olhar para os ganhos. A população passou a ver a importância da universidade e do trabalho científico. E o cientista também está percebendo que precisa sair da Universidade e precisa se mostrar a serviço da comunidade de uma forma mais transparente e mais atuante. Quem é professor da UNILA também é morador de Foz e região. E, por isso, nosso maior interesse é que todos fiquemos bem aqui na região”.