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Com base dividida, votos indígenas podem definir segundo turno deste domingo no Equador

Andrés Arauz, ministro do ex-presidente Rafael Correa, e o ex-banqueiro Guillermo Lasso irão disputar o apoio dos eleitores indecisos
Apoiadores do candidato correísta Andrés Arauz durante comício em Quito: voto indígena pode definir eleição de domingo Foto: CRISTINA VEGA RHOR / AFP
Apoiadores do candidato correísta Andrés Arauz durante comício em Quito: voto indígena pode definir eleição de domingo Foto: CRISTINA VEGA RHOR / AFP

Em empate técnico em várias pesquisas, Andrés Arauz, que foi ministro do ex-presidente Rafael Correa, e o ex-banqueiro Guillermo Lasso, disputarão neste domingo os votos dos eleitores equatorianos indecisos, principalmente aqueles que no primeiro turno optaram pelo advogado e líder indígena Yaku Pérez, do Pachakutik, braço político da poderosa Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) .

Perseguido por Correa durante seu governo, Pérez — que acabou em terceiro lugar por uma margem estreita e contestou os resultados do primeiro turno — se negou a apoiar o candidato correísta e anunciou a adesão ao voto nulo. Mas, como parte dos líderes da Conaie, incluindo o atual presidente Jaime Vargas, já manifestaram publicamente apoio a Arauz, tudo pode acontecer, avaliam analistas ouvidos pelo GLOBO.

A pesquisas — que variam entre empate técnico e uma leve vantagem para o correísta — mostram um cenário imprevisível.  Um levantamento do Atlas Político, um dos últimos divulgados nesta semana, dá uma vantagem de apenas 1,4 ponto percentual (40,8% x 39,4%) para o candidato de Correa, que concorre pela Aliança União pela Esperança. Outra pesquisa, da Eureknow, divulgada na quinta-feira, reduz a diferença para só 0,1 ponto, com 44,3% para Arauz, de 36 anos, e 44,2% para Lasso, de 65, candidato do partido Criando Oportunidades (Creo).

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Correa, que governou o país de 2007 a 2017 como um dos expoentes da chamada onda bolivariana na América do Sul, é o personagem em torno do qual se concentra o debate eleitoral, apesar de seu nome não estar nas cédulas. O ex-presidente está exilado na Bélgica, país de origem de sua mulher, e tem um mandado de prisão contra ele em um processo no qual foi condenado a oito anos por recebimento de propinas de empresas em troca de contratos com o Estado, que ele nega e qualifica de perseguição política-judicial.

Fábio Borges, professor da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila), avalia que a incerteza em torno do resultado é reflexo dos conflitos históricos no país entre o correísmo e o movimento indígena, que rompeu com o ex-presidente por causa de seu modelo econômico baseado na exploração de matérias-primas e a exportação de commodities. Ao mesmo tempo, afirma Borges, é uma contradição que o movimento apoie Lasso, ligado ao neoliberalismo.

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— Os seguidores do Pérez vão fazer a diferença, o que traz dificuldades nas pesquisas, já que não há clareza sobre como eles votarão. Mesmo assim é uma indefinição curiosa, já que seria mais racional para o movimento eleger a continuação de Correa, apesar das divergências, por seu modelo mais voltado às questões sociais e ao combate à desigualdade — explica Borges. — Nessa pandemia, os indígenas equatorianos são os que apresentam os piores indicadores sociais. Por isso, se eu fosse apostar, diria que Arauz tem mais chance com esse eleitorado.

O movimento indígena tem relação tensa com Correa desde o governo dele. A Conaie apoiou a convocação pelo então presidente de uma Assembleia Constituinte que, em 2008, aprovou a primeira Constituição do Equador que reconhece os direitos dos povos indígenas, define o país como um Estado plurinacional e incorpora a noção de "bem viver", baseada na cosmovisão das comunidades tradicionais.

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Depois disso, no entanto, seguiram-se sucessivos conflitos entre os dois lados. O então presidente pretendia usar os recursos naturais do país como alavanca para o aumento da renda, mas as lideranças indígenas se opunham à exploração intensiva, afirmando que era danosa ao meio ambiente.

Pérez, que perdeu a chance de disputar o segundo turno por uma diferença de apenas 32.600 votos para Lasso, foi o primeiro indígena a chegar tão longe na disputa pela Presidência do Equador, onde os que se identificam como indígenas representam 25% da população.

— Uma coisa é certa: o partido conseguiu uma bancada muito significativa no Congresso, e conseguirá formar maioria a depender de que lado escolher. Essa fricção irá continuar no futuro — acredita Leonardo Magalhães, diretor de projetos para a América Latina do Atlas Político.

Além disso, o racha dentro do movimento reflete também uma disputa de poder interna: a Conaie realizará sua própria eleição em maio.

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— O resultado de Pérez no primeiro turno influencia muito, porque o movimento nunca teve tanta força. Por um lado, tudo que está acontecendo obedece, em parte, à lógica da disputa interna da Conaie, que tem eleições em breve — acredita Alfredo Serrano, diretor do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (Celag).

Por outro lado, analisa Serrano, ainda está muito presente na memória o que aconteceu em outubro de 2019, quando Lasso apoiou a repressão do governo de Lenín Moreno contra os protestos que pararam o país. Na época, com o boom das commodities tendo chegado ao fim e o país em crise financeira, Moreno —  eleito em 2017 com apoio de Correa, mas que rompeu com ele — foi desafiado por um movimento de indígenas, estudantes e sindicatos que parou o país contra o fim dos subsídios à gasolina.

— Por último — ressalta o diretor do Celag — É importante lembrar que a base não vai votar como diz a direção do movimento, mas de acordo com suas próprias vontades.

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Outra variável que pode definir o resultado é o apoio de Lasso a Moreno, que tem uma das maiores taxas de rejeição do continente, de quase 80%. Durante os últimos quatro anos, lembra Serrano, os partidos de Lasso do atual presidente legislaram praticamente juntos, aprovando mais de 80% das principais propostas no Congresso. Lasso, no entanto, vem tentando se afastar da imagem de Moreno nos últimos meses.

Para o diretor do Celag, também pode pesar contra ele "seu aumento de patrimônio de 220% durante a pandemia, em contraste com o alto empobrecimento da população em geral". A crise sanitária, que matou mais de 17 mil pessoas no Equador, deixou um terço da população na pobreza e cerca de 500 mil trabalhadores sem empregos estáveis.

A seu favor, no entanto, o ex-banqueiro, que perdeu as duas últimas disputas presidenciais, tem o título de líder do anticorreísmo por sua feroz oposição ao ex-presidente no passado, em um momento de alta polarização. Arauz, por sua vez, não é Correa, para o bem e para o mal.

— Os dois são candidatos com grandes limites e grandes desafios. Não são eloquentes nem grandes líderes, e representam dois blocos ideológicos opostos — resume Magalhães.