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A preservação audiovisual no Brasil e o descaso com a cultura e a memória

Virgínia Flores, docente do curso de Cinema e Audiovisual da UNILA, analisa os reflexos do recente incêndio ocorrido na Cinemateca Brasileira na série ¿Qué Pasa?
publicado: 27/08/2021 17h30, última modificação: 27/08/2021 17h36

“Nem o fogo apagará a nossa história”. Foi dessa forma que a Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine) se pronunciou sobre o incêndio que acometeu a unidade da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, no mês de julho. A ideia de um país com a memória cultural em chamas parece se repetir, como aconteceu nos últimos tempos com o Museu Nacional. O tema foi debatido em mais um episódio da série ¿Qué Pasa?, com a participação da docente Virgínia Flores, que ministra a disciplina de Preservação Audiovisual no curso de Cinema e Audiovisual da UNILA.

 Virgínia trabalha com o cinema brasileiro desde 1975, nas áreas de continuidade, edição de som e montagem. Também tem grande interesse em preservação audiovisual e destaca a importância das cinematecas e cineclubes para essa importante área que tem a função de preservar a memória nacional a partir de produtos audiovisuais. “Esses espaços começaram a levar filmes para o público, criando uma cultura cinematográfica, e tiveram uma importância no sentido do debate, de dar acesso”, analisa.

Ela explica que as primeiras ações desenvolvidas nesses espaços ainda não tinham o sentido completo da preservação, que é muito mais complexo que coletar e guardar, mas que envolve outros processos, como identificar, restaurar, transferir para novos suportes, difundir e disponibilizar, dando acesso para consulta permanente. “Devemos valorizar as cinematecas e cineclubes justamente porque foram o início dessa estratégia, fomentaram o amor ao cinema, de conhecer como os filmes eram feitos, debater criticamente os conteúdos e falar de gêneros e correntes cinematográficas”, defende.

A Cinemateca Brasileira foi fundada em 1949 e tinha como base o trabalho de arquivo que era realizado nas bibliotecas. A preocupação com controle de temperatura e umidade, fundamental para manter a qualidade das películas, começou apenas em 1966 e, antes disso, não se fazia levantamento do estado dos filmes, o trabalho era mais focado na catalogação. Virgínia destaca que, no processo de preservação, uma questão importante é a cooperação, algo com que os cineclubes já trabalhavam para a realização das mostras. “A preservação traz, na sua gênese, essa questão da cooperação entre várias cinematecas. Ela tem esse nome de cinemateca, mas se constitui em um grande arquivo de audiovisual”, analisa.

A memória audiovisual em chamas

"É muito triste que a gente não possa ter mais esses documentos para fazer pesquisa. A perda é imensa, o audiovisual é reconhecido como fonte histórica e de memória no mundo inteiro”

O incêndio que comprometeu parte do acervo da Cinemateca tem impactos complexos, segundo a pesquisadora, e representa o descaso com a cultura e a memória do Brasil e a não percepção de que a preservação é algo que pertence a todos, envolvendo desde as políticas públicas como a sociedade em sua forma ampla. “A questão está ligada ao apoio financeiro, já que só se investe naquilo em que você acredita e acha que importa. Vários países desenvolvidos têm uma visão da importância da cultura em relação aos direitos humanos. Mas aqui estamos atrasados e, agora, com várias políticas que estão desmoronando”, reforça. 

O incêndio foi considerado uma tragédia anunciada, visto que, anteriormente, houve um movimento de pessoas da sociedade civil, preocupadas com a dispensa de funcionários e com as condições de precariedade do espaço. “Após o incêndio, trabalhadores da Cinemateca fizeram um levantamento do material que existia naquele galpão. Eram matrizes e cópias de cinejornais únicos, filmes domésticos, de ficção, muita documentação de órgãos que não existem mais, como a Embrafilme. É muito triste que a gente não possa ter mais esses documentos para fazer pesquisa. A perda é imensa. O audiovisual é reconhecido como fonte histórica e de memória no mundo inteiro”, lamenta ela.

Neste episódio do ¿Qué Pasa?, Virgínia Flores também fala sobre a transição de acervos físicos para o formato digital, e as devidas especificidades em relação aos suportes, na questão de preservação e experiências. A professora também fala sobre a importância de o tema preservação estar na grade curricular dos cursos de Cinema e, ainda, sobre um movimento que existe para montagem de um laboratório com essa finalidade no Parque Tecnológico Itaipu (PTI). Ela aposta na preservação como uma área em que estudantes podem atuar e questiona: “o que seriam das mostras de filmes se não houvesse preservação?”